Chamadas

Alteração polêmica das Normas de Segurança e Saúde do Trabalho

O círculo de relações capital-trabalho pode ser considerado a essência do círculo maior da economia política. E é fundamental ao bem comum de uma Nação.

Trata-se de um assunto cerrado entre especialistas, mas a preocupação com a saúde, a vida do trabalhador e a adequação dos locais de trabalho aos padrões de limpeza e de qualidade dos produtos consistiu na motivação principal da humanidade ao criar, em 1919, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, órgão importantíssimo da Organização das Nações Unidas.

No Brasil, a ação preventiva está regulada pelas Normas Regulamentadoras – NRs, que emanavam do extinto Ministério do Trabalho.

Declarou o presidente da República Jair Bolsonaro que pretende revogar 90% dessas normas, pois elas impediriam nosso crescimento; como se fossem burocracia desnecessária a entravar as empresas.

Concomitantemente, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, um “puxadinho” criado para preencher o espaço do antigo Ministério do Trabalho e Previdência Social, que tem como titular o sr. Rogério Marinho, declara que todas as NRs estão em estudo e pretende um debate tripartite (governo, empregados e empregadores), a fim de criar novas normas. Não quer calar a pergunta: se a intenção final do presidente é a de extinguir, simplesmente, 90% das normas, outras estariam sendo criadas em seu lugar, ou simplesmente está armado um amplo teatro? Note-se que essas normas refletem regras internacionais e convenções celebradas pelo Brasil, de modo que não podem ser substituídas por disposições normativas que contrariem seus princípios.

Simplesmente deixar o Brasil sem normas preventivas e protetivas do trabalho é um delírio. O ônus superará o bônus, como se verá a seguir. E não se imagine que seremos mais competitivos no plano internacional, lançando num mercado cada vez mais seletivo mercadorias mais baratas, porém advindas da precariedade do trabalho. Os mercados modernos não convivem com a precarização produtiva, um modo solerte de protecionismo.

Considerando-se, por exemplos já dados (reforma trabalhista, de que foi o relator), destruir princípios seculares, substituindo-os por experiências duvidosas, é a inclinação supostamente pragmática e criativa do sr. Rogério Marinho, ex-integrante do baixo clero parlamentar e sem nenhuma formação notável no campo do Direito e da Economia. Face à responsabilidade que o tema nos atribui, consideramos importante traçar um apertado histórico nacional e forâneo da questão, com as considerações seguintes.

Essas medidas preocupam o Ministério Público do Trabalho, como não poderia deixar de ser, por que:

Estuda-se a demolição da NR1 (segurança e medicina do trabalho), NR2 (inspeção prévia), NR3 (embargo e interdição quando uma obra põe em risco o trabalho – e outras pessoas), NR9 (prevenção de riscos ambientais), NR15 (insalubridade), NR17 (ergonomia)  NR24 (condições sanitárias) e, para ser eficaz a implosão, a NR 28 (fiscalização e imposição de penalidades).

É desnecessário detalhar as consequências. Atente-se a apenas uma: condições sanitárias numa indústria de alimentos.

Desenvolveram-se essas normas no início do século passado quando se tornaram insuportáveis os cortes na carne e no sangue dos trabalhadores de todo o mundo.

O Brasil, como sempre, não acompanhou, salvo tardiamente. Agora, em nosso meio, propõe-se a ruína. Não à toa se fala em retrocesso ao núcleo sórdido das revoluções industriais.

Números passados já indicavam 653.090 acidentes anuais de trabalho, 20.786 mesopatias (doenças vinculadas ao trabalho) e 580.592 afastamentos temporários.

Segundo organismos de previdências, 6.500.000 a 7.000.000 de acidentes naqueles últimos dez anos (41% da população do Chile e o dobro da do Uruguai). Milhares de óbitos.

As causas são inúmeras. Avultam as desumanas jornadas excessivas de trabalho, limitação que foi ao limbo com a última “reforma” trabalhista. Atento a isso, já pregava o saudoso professor Octávio Bueno Magano, inobstante sua franca tendência filosófica ao alívio dos encargos patronais, portanto insuspeito: “Se nos ativéssemos aos fundamentos em que se alicerça a limitação da jornada de trabalho, haveríamos de repelir a possibilidade de horas extraordinárias”.

Consagramos agora o milagroso sistema 12×36, que desrespeita o ritmo cicardiano ou nictameral caracterizado pela ativação psicossomática durante o dia – 12 horas – e outra de desativação do sono durante a noite.

A disciplina é vastíssima e de vertical interesse a toda a humanidade, mas no Brasil não temos nenhuma cadeira média ou universitária dedicada a esse assunto basilar.

É muito simples dizer – e amiúde se o faz – que a culpa pelo acidente é do trabalhador, tal como sempre a queda dos aviões é atribuída às tripulações.

O planeta foi alertado com a criação da Organização Internacional do Trabalho- OIT, em 1919. Esse tema foi o principal motivo de sua criação e de sua colaboração civilizatória que perdura até nós. E sempre sua fundamental preocupação.

São 21 convenções internacionais, subscritas pelo Brasil. Sabe-se que pactos internacionais se internalizam em nosso direito no plano constitucional. E o que contraria a Constituição é coisa nenhuma.

Até 1970  não tínhamos NRs. Trabalho animalesco, sangrento, nos meios urbano e rural.

O “custo Brasil” era muito maior, com os afastamentos, as internações, as hospitalizações prolongadas,  as milagrosas Santas Casas de Misericórdia e a congérie de desgraças humanas e econômicas. Fiquemos nestas, pois as primeiras não empolgam, sequer arranham.  a sensibilidade do atual governo. Humanista é comunista, que deve ser eliminado.

*Amadeu Roberto Garrido de Paula é advogado, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP. Há mais de 40 anos, dedica-se à defesa de causas relacionadas à Justiça do Trabalho, Direito Empresarial, Direito Constitucional e Sindical.

Ricardo de Freitas

Ricardo de Freitas possui uma trajetória multifacetada, ele acumula experiências como jornalista, CEO e CMO, tendo atuado em grandes empresas de software no Brasil. Atualmente, lidera o grupo que engloba as empresas Banconta, Creditook e MEI360, focadas em soluções financeiras e contábeis para micro e pequenas empresas. Sua expertise em marketing se reflete em sua obra literária: "A Revolução do Marketing para Empresas Contábeis": Neste livro, Ricardo de Freitas compartilha suas visões e estratégias sobre como as empresas contábeis podem se destacar em um mercado cada vez mais competitivo, utilizando o marketing digital como ferramenta de crescimento.

Recent Posts

Imposto de Renda: Veja quem vai receber restituição em 2025

Falta pouco tempo para o Imposto de Renda (IR) 2025 iniciar, porém, milhões de contribuintes…

46 minutos ago

INSS: confira o calendário de pagamentos de fevereiro

Milhões de pessoas ainda vão receber seus benefícios do INSS referentes ao mês de janeiro…

2 horas ago

Brasil atinge 21,6 milhões de empresas ativas em 2024; Simples Nacional domina 84% do mercado

Introdução ao Relatório Jornal Contábil de Empresas no Brasil O Brasil encerrou 2024 com 21,6 milhões…

12 horas ago

Artigo: O empresariado brasileiro e o ano mais difícil na transição pós-reforma

A reforma tributária, solução para simplificar a tributação sobre o consumo, apresenta desafios significativos para…

13 horas ago

Inscrições para o Fies abertas até sexta-feira, dia 7. Veja como fazer

Se você participou de alguma edição do Enem, quer parcelar seus estudos e está tentando…

14 horas ago

Inteligência Artificial e os escritórios contábeis: uma parceria estratégica para o futuro

A inteligência artificial (IA) está transformando diversos setores da economia, e com os escritórios contábeis…

16 horas ago