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Aposentadoria especial por periculosidade: Dois pesos e duas medidas

A reforma da previdência caminha para seus capítulos finais. Alguns excessos da proposta inicial do governo foram contidos ao longo do processo legislativo; outros, estão bem próximos de passar. Um dos desafios para a alteração do sistema de aposentadorias, segundo um ex-ministro da Previdência Social, consiste em enfrentar “os privilégios a determinados segmentos com maior capacidade de influência política”, porque obviamente “não querem perdê-los” (STEPHANES, Reinhold. Reforma da Previdência sem segredos, 1998).

 

Embora tenhamos no Brasil um sistema político republicano e democrático, nossa prática constitucional nem sempre leva à sério a distinção entre igualdade perante a lei e igualdade na lei. Algumas mudanças propostas para as aposentadorias comprovam isso.

Ao mesmo tempo que a estipulação de idade mínima para as aposentadorias é apresentada pelo governo como solução para o reequilíbrio financeiro e atuarial da previdência, não podemos esquecer que essa medida é também problemática quando confrontada com a premissa — constitucionalmente assegurada — de que se deve tratar os iguais igualmente e os desiguais, desigualmente.

 

   

 

Ora, do ponto de vista do indivíduo, a própria variação da expectativa de sobrevida do brasileiro torna a priori qualquer estipulação de idade injusta, considerando que fatores como gênero, raça, escolaridade, região, profissão, saúde e histórico familiar (a lista poderia ser maior!) definem quanto tempo uma pessoa vive. Como não existe uma regra perfeita para esse caso, no fundo o que a legislação busca é ser a menos injusta possível.

 

 

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A proposta do governo para a aposentadoria do trabalhador exposto a periculosidade contraria o sentido constitucional da igualdade. Historicamente, esses trabalhadores se aposentam mais cedo como compensação pelos riscos aos quais estão expostos. De acordo com o art. 193 da CLT, a exposição a materiais inflamáveis, explosivos, eletricidade (alta voltagem), roubos e violência física permite a antecipação da aposentadoria. O INSS oficialmente não reconhece essa possibilidade há mais de 22 anos, mas os Tribunais raramente deixam de conceder essa aposentadoria. Portanto, na prática, até hoje eles têm direito a uma aposentadoria especial.

 

Esse benefício está sendo extinto pela PEC 06/2019. Assim, os trabalhadores acima mencionados se aposentarão doravante pela regra comum que está sendo proposta ao regime geral de previdência (INSS): homens aos 65 anos de idade e mulheres aos 62 anos de idade.

 

 

No entanto, o governo preserva esse benefício no regime próprio dos servidores públicos para uma categoria específica: os policiais. No âmbito do regime próprio de previdência, enquanto os demais servidores (por enquanto apenas os federais foram incluídos na reforma) serão aposentados com 62 anos de idade, se mulher, e 65 anos, se homem, desde que tenham pelo menos 25 anos de contribuição, os policiais do distrito federal, da polícia legislativa (Câmara dos Deputados e Senado), da polícia federal (comum, rodoviária e ferroviária) e os agentes penitenciários ou socioeducativos, por outro lado, serão aposentados aos 55 anos de idade, em ambos os sexos, desde que tenham 30 anos de contribuição e 25 anos nas suas carreiras.

 

 

Não se pode negar o perigo inerente à atividade policial. O índice de morte violenta entre policiais é alto, assim como o número de afastamentos por problemas psiquiátricos. A alta taxa de suicídios dá “ares epidêmicos” à profissão. Portanto, são compreensíveis as regras mais vantajosas para a aposentadoria como contrapartida pelos sérios riscos de dano no exercício da função.  

 

O mérito dessa contrapartida é passível de objeção. Mas o problema é outro. Ao prever a aposentadoria especial aos policiais, a PEC 06/2019 despreza o primado da igualdade. Se a periculosidade antecipa a aposentadoria no serviço público, o mesmo deve ocorrer no setor privado. Situações semelhantes não podem ser tratadas de formas diferentes.

 

A polícia da Câmara dos Deputados corre risco maior do que o eletricitário que trabalha pendurado em torres de alta tensão diariamente?   A polícia do Senado corre risco maior do que o petroleiro em refinarias ou plataformas de petróleo? Quantos eletricitários ou petroleiros morreram em acidentes de trabalho nos últimos anos, comparativamente aos policiais que fazem a vigilância do Congresso Nacional?

 

O vigilante que faz transporte de valores, vítima (ele e a família) frequente de violência grave, corre risco menor do que o agente socioeducativo? Corre risco menor que o policial federal em atividade administrativa?

  Nas duas reformas estruturais da previdência social (Emendas Constitucionais 20/98, 41/03), um dos princípios norteadores dos projetos encaminhados ao Congresso foi a necessidade de uniformização das regras para servidores públicos e trabalhadores privados.

 

Ele veio à tona novamente na atual reforma, pois foi mencionado pelo Ministério da Economia quando do encaminhamento da PEC. A Exposição de Motivos refere que a proposta busca “maior equidade e convergência entre os diferentes regimes previdenciários”.   Data venia, não é o que ocorre com a aposentadoria especial por periculosidade. O texto da proposta até aqui é mais coerente com um antigo vício da nossa república. Dizemos que todos são iguais perante a lei, mas na lei uns são menos iguais que outros injustificadamente.

 

Vinícius Pacheco Fluminhan — Graduação em Direito; Especialização em Direito Previdenciário em Direito e Processo do Trabalho; Mestrado em Direito. Atualmente é Professor do Curso de Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas em regime de dedicação integral.

 

Leonardo Grandchamp

Supervisor de Redação do Jornal Contábil e responsável pelo Portal Dia Rural.

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