A Administração Pública tem o dever legal e constitucional de priorizar e dar preferência ao pagamento das remunerações dos servidores públicos.
No atual cenário econômico do nosso país, percebe-se uma crise financeira que vem afetando a Administração Pública em suas diversas esferas (federal, estadual, municipal e distrital) e por consequência acaba atingindo os servidores públicos com atrasos de pagamentos e até mesmo parcelamentos das remunerações, gerando diversas dificuldades para pagarem as contas no dia certo, ocasionando juros e até mesmo dívidas.
Neste clima de incerteza, surge diversos questionamentos: quais os direitos dos servidores públicos? Como que fica a questão das dívidas e atrasos nos pagamentos? Cabe alguma ação de indenização por dano moral contra o Estado? É legal o Estado realizar o parcelamento?
O pagamento das remunerações realizadas em atraso é um caso muito grave, além de gerar para os servidores grandes dificuldades, o administrador deve ser responsabilizado funcionalmente por essa impontualidade.
Um exemplo são os servidores estaduais em Goiás, em que a Constituição do Estado de Goias, em seu artigo 96, deixa bem claro que é obrigatória a quitação da folha de pagamento do pessoal ativo e inativo da administração direta, autárquica e fundacional do Estado até o dia 10 do mês posterior ao vencido, sob pena de se proceder à atualização monetária da mesma.
Também no artigo 35 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul prevê que “o pagamento da remuneração mensal dos servidores públicos do Estado e das autarquias será realizado até o último dia útil do mês do trabalho prestado”.
Por conseguinte, deve ser observado o que dispõe a legislação a depender da esfera administrativa. Caso não tenha qualquer previsão normativa específica , aplica-se por analogia a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT):
Art. 459 – O pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações.
§ 1º Quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido.
Há inúmeras discussões no âmbito jurídico (doutrinário e jurisprudencial), mas a posição dominante é a de que os valores dependem de atualização monetária, para impedir que a remuneração sofra redução em seu valor real provocada pelo decurso do tempo e pela inflação.
Dessa modo, o próprio Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n. 682, que diz: “Não ofende a Constituição a correção monetária no pagamento com atraso dos vencimentos dos servidores públicos.” Portanto, o servidor tem o direito de receber o pagamento com correção monetária.
Não ofende a Constituição a correção monetária no pagamento com atraso dos vencimentos dos servidores públicos.” Portanto, o servidor tem o direito de receber o pagamento com correção monetária.
É importante frisar também que além da correção monetária, o atraso remuneratório também gera incidência de juros de mora, conforme previsto no artigo 1-F da lei 9.494/17:
Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
Por conseguinte, a título de exemplo o servidor público estadual em Goiás tem o direito de receber sua remuneração até o dia 10 do mês posterior ao vencido. Não ocorrendo o pagamento, este deve ser feito com correção monetária e, inclusive, juros de mora limitando a 6% ao ano, e o servidor pode acionar o Poder Judiciário para requerer tal direito, de acordo com decisão do próprio STF:
(…) 1. É constitucional a limitação de 6% (seis por cento) ao ano dos juros de mora devidos em decorrência de condenação judicial da Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Precedentes.2. Aplicação imediata da lei processual aos processos em curso. 3. Agravo regimental improvido.” (RE 559.445-AgR/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE).
Em relação a ação de indenização por dano moral contra o Estado por causa do atraso de pagamento somente poderá ser requerido se comprovar algum dano grave de moralidade no servidor público, pois os Tribunais na maioria de suas decisões vem julgando como mero aborrecimento. No entanto, o nosso entendimento é que se o atraso ocasionou um constrangimento ao servidor, por exemplo, co nome ter sido inscrito nos órgãos de proteção ao crédito (SPC e Serasa), ou até mesmo o corte de água ou energia gerando prejuízos, é possível recorrer ao Judiciário para reparar tais danos.
Em caso de tais ilegalidades, é possível utilizar a via judicial de forma individual ou até mesmo por meio das entidades representativas dos servidores (associações e sindicatos) que vêm se mobilizando para apresentar ações com o objetivo de assegurar o recebimento da remuneração mensal integral. Todos eles têm o direito a receber o salário mensal na data de pagamento determinada pela legislação do ente a que está vinculado.
Quanto ao parcelamento das remunerações, em regra, é vedado, pois o servidor tem o direito de receber os valores integrais. Porém, há situações excepcionais que o Supremo Tribunal Federal entende legítimo quando a Administração Pública realmente demonstra risco concreto de grave lesão à economia pública do Estado e quando ocorre acordo com as entidades representativas que concordem com o parcelamento.
Todavia, caso o Governo aja de forma arbitrária e unilateral decidindo parcelar as remunerações desrespeitando o princípio da motivação e da legalidade, resta evidente uma ilegalidade neste parcelamento.
Logo, tem que ser analisado a particularidade de cada caso. Em 2017, o STF em uma situação envolvendo uma crise econômica no Estado do Amapá, reconheceu legítimo o parcelamento das remunerações devido às peculiaridades e particularidades da crise. Por outro lado, em 2015, o Tribunal reconheceu ilegalidade por parte do Estado do Rio Grande do Sul no parcelamentos, veja trecho da decisão:
Dessa forma, em que pesem as alegações do Estado do Rio Grande do Sul de que, para o enfrentamento da crise financeira, está promovendo as medidas necessárias para regularizar as finanças públicas, cortando, inclusive, gastos públicos, e buscando receitas extraordinárias a fim de que a situação não se repita, não é possível deixar de tratar os salários dos servidores como verba prioritária, inclusive ante determinação constitucional, como se viu acima.
Houvesse um acordo entre o Governo e os Sindicatos poder-se-ia até cogitar essa possibilidade de parcelamento. Do contrário, a alegada impossibilidade de pagamento, por si só, não permite o parcelamento unilateral dos salários.“(SL 883 MC, Relator (a): Min. Presidente, Decisão Proferida pelo (a) Ministro (a) RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 28/05/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 29/05/2015 PUBLIC 01/06/2015)
Por fim, é relevante destacar a decisão proferida pelo Min. Ricardo Lewandowski, sobre o tema dos atrasos de pagamento dos servidores públicos, para reflexão:
“[…] Com efeito, o salário do servidor público trata-se de verba de natureza alimentar, indispensável para a sua manutenção e de sua família. É absolutamente comum que os servidores públicos realizem gastos parcelados e assumam prestações e, assim, no início do mês, possuam obrigação de pagar planos de saúde, estudos, água, luz, cartão de crédito, etc. Como fariam, então, para adimplir esses pagamentos? Quem arcaria com a multa e os juros, que, como se sabe, costumam ser exorbitantes, da fatura do cartão de crédito, da parcela do carro, entre outros? Não é por outro sentido que, por exemplo, a Lei de Recuperação Judicial elenca no topo da classificação dos créditos as verbas derivadas da legislação do trabalho e os decorrentes de acidentes de trabalho. Por seu caráter alimentar, elas possuem preferência no pagamento dos créditos […]”. (SL 883 MC, Relator (a): Min. Presidente, Decisão Proferida pelo (a) Ministro (a) RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 28/05/2015)
Logo, a Administração Pública tem o dever legal e constitucional de priorizar e dar preferência ao pagamento das remunerações dos servidores públicos, sendo vedado o parcelamento (em regra), e em casos de atrasos deverá arcar com correção monetária, juros (nos casos de condenação judicial) e, inclusive, se o servidor público tiver sofrido algum dano moral ou prejuízo, poderá recorrer a Justiça para reparação de tais danos.
Conteúdo por Dr. Agnaldo Bastos, advogado especialista em direito público, atuante em causas envolvendo concursos públicos, servidores públicos, processo administrativo disciplinar e improbidade administrativa.
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