Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) avançou sobre a seara tributária e criminalizou o não pagamento do ICMS, o que em última consequência pode implicar pena de seis meses a dois anos de prisão para o contribuinte que não honrar com as obrigações fiscais.
Pelo posicionamento da corte, mesmo que o ICMS tenha sido declarado ao fisco, se este não foi recolhido, o caso extrapolaria o mero inadimplemento fiscal, passando a ser tratado como apropriação indébita tributária.
A decisão surpreendeu empresários e juristas, que veem um equívoco no posicionamento do STJ.
Ana Elisa Bechara, professora titular de direito penal da USP, diz não haver apropriação indébita nessa situação pelo simples fato de o contribuinte não se apossar da coisa alheia, mas sim, deixar de entregar algo que lhe pertence, ao fisco.
Segundo ela, uma dívida tributária não pode ser criminalizada porque há outras formas de resolução do problema, começando pelos meios administrativos que o próprio fisco possui. O direito penal, na sua interpretação, só deveria incidir sobre casos extremos, uma vez que envolve a eventual retirada da liberdade do cidadão.
“Só haverá crime tributário quando ocorrer fraude, omissão, falsa informação, ou outro ardil que impeça o fisco de exercer o controle tributário. A mera inadimplência do ICMS não é um ataque grave à arrecadação para envolver o direito penal”, disse Ana Elisa nesta segunda-feira, 5/11, durante palestra realizada no Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
A professora de direito penal também vê uma inconstitucionalidade na criminalização do não pagamento do ICMS. Ela fundamenta esse posicionamento no artigo 5° da Constituição Federal, que veda a prisão por dívida.
“A interpretação dada pelo STJ revela desconhecimento da sistemática do ICMS e também da sistemática do direito penal”, afirmou em sua palestra.
DESEJO ARRECADATÓRIO
A decisão do STJ, para Ana Elisa, parece servir como meio de coagir o contribuinte a pagar o imposto, mesmo que julgue indevido, por receio de ser punido.
“Nesse caso, sob um pretexto arrecadatório, está sendo feito mau uso do direito penal. Há outros meios para fazer do contribuinte, um bom pagador. Política arrecadatória tem seus instrumentos e não pode ser confundida com política criminal”, disse.
Algo que sustentaria a interpretação de uso equivocado do direito penal é a leitura em paralelo da Lei 10.684, de 2003 (Refis), que prevê a extinção da pena quando a dívida é quitada. Ou seja, o caráter punitivo da ação teria menos força que uma eventual reparação ao erário.
Para o advogado Fernando Facury Scaff, professor de direito financeiro da USP, se o posicionamento do STJ não for revertido, haverá aumento da insegurança jurídica.
Por se tratar de decisão de corte superior, Scaff acredita que será difícil a solução por meio de modificação normativa. “Será preciso reverter a situação com o uso de recursos processuais, com o apoio das entidades empresariais, que devem se manifestar o quanto antes sobre a questão”, disse o advogado em sua palestra no Caeft.
No momento há uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), nas mãos do ministro Luís Roberto Barroso, questionando a decisão do STJ.