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Constituição Federal X CLT: Redução de salário por motivo de força maior

A MP 927/2020 tem o cuidado de dispor logo na entrada de sua redação estar tratando de uma situação de calamidade pública em decorrência de um motivo de força maior e passa a regrar condições emergenciais e transitórias nas relações de emprego.

A redução do salário, no entanto, não foi tratada pela MP 927, mas, pelo que já está disposto na CLT, em seus artigos 501 e 503, ela seria possível em situações de força maior:

Decio Daidone Júnior

“Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.”

“Art. 503 – É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região”.

Ocorre que esse artigo 503, apesar de condicionar uma questão singular e incomparável que é a força maior, para alguns, traz uma redução na sistemática top down e conflita com o dispositivo da Constituição Federal (artigo 7º, inciso VI), que somente permite a redução salarial se ela for combinada a dois fatores: (i) negociação coletiva e (ii) redução proporcional de jornada.

Soma-se a isso, a reforma na CLT ocorrida em novembro de 2017 (Lei 13. 467), traz um terceiro elemento para compor a viabilidade de redução salarial, dispondo no parágrafo terceiro do artigo 611-A que a cláusula que pactua a redução do salário ou jornada deve prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.

Desta forma, em tese, para reduzir o salário de forma conservadora, sem risco a ser contingenciado, a empresa precisa configurar esses três fatores: (i) negociação coletiva; (ii) redução proporcional de jornada e (iii) garantia provisória do emprego.

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Se a conjugação dos três fatores ao mesmo tempo não for possível, o risco surge, mas, ao nosso entender, ainda assim, é viável reduzir o salário com base somente no disposto pelo artigo 503 da CLT, ponderando, principalmente, a dificuldade em se negociar coletivamente durante este momento de confinamento e executar o ato soberano da assembleia.

Ao nosso sentir, essa interpretação, ainda que comporte um aumento no risco de intervenção do Estado, se sustenta por estarmos enfrentando uma situação socioeconômica jamais condicionada em nossa legislação, exceto pelo correspondente denominado “motivo de foça maior” previsto no código civil (artigo 393), bem como no artigo 503 da CLT acima citado, o qual não conflita com a CF em razão exata de sua própria especificidade em regrar uma situação anormal como uma calamidade pública, enquanto o artigo 7º, inciso VI, da CF tratou de regrar os direitos sociais básicos para a convivência e bem estar social latu sensu.

A manutenção do negócio empresarial deve ser avaliada ponderando a saúde financeira e sua subsistência dentro do cenário real e catastrófico em que a relação empregatícia está estabelecida. Uma condição sem precedentes, afetando a todos indistintamente, empregado e empregador, requer medidas radicais na mesma dose que ela se apresenta.

A redução unilateral do salário com o objetivo de preservar o bem maior do trabalhador, permitindo que a empresa mantenha vivo o seu posto de trabalho, prescinde da interpretação conservadora e estagnada dos intérpretes jurídicos e exige um protagonismo disruptivo para utilizar a legislação na forma que melhor atende os anseios prementes da sociedade.

Nesse cenário, privilegiar o acordo individual, inclusive com a possibilidade de uma redução ainda maior para os empregados enquadrados no artigo 444 da CLT, denominados hipersuficientes, ou negociar um parcelamento para postergar o pagamento dos valores que estão sendo descontados, são medidas legais e, provavelmente, necessárias.

Dentro dos direitos fundamentais do cidadão está o seu emprego, que antecede o seu salário, além dos direitos sociais de manutenção do seu lazer, do seu trabalho para dignificá-lo, como preconiza o artigo 6º, da CF.

Reduzir o salário, portanto, aplicando a previsão expressa do artigo 503, da CLT, é utilizar-se da medida legal existente que se encaixa na realidade em que o país está passando, ainda que dolorida, preservando-se o negócio, que preserva o emprego, que preserva o salário, que preserva a sobrevivência, direitos inerentes ao empregado e empregador.

*Decio Daidone Júnior é advogado, professor, mestre em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e palestrante

Ricardo de Freitas

Ricardo de Freitas possui uma trajetória multifacetada, ele acumula experiências como jornalista, CEO e CMO, tendo atuado em grandes empresas de software no Brasil. Atualmente, lidera o grupo que engloba as empresas Banconta, Creditook e MEI360, focadas em soluções financeiras e contábeis para micro e pequenas empresas. Sua expertise em marketing se reflete em sua obra literária: "A Revolução do Marketing para Empresas Contábeis": Neste livro, Ricardo de Freitas compartilha suas visões e estratégias sobre como as empresas contábeis podem se destacar em um mercado cada vez mais competitivo, utilizando o marketing digital como ferramenta de crescimento.

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