As empresas são ambientes nos quais as relações pessoais e profissionais se guiam, entre outros aspectos, pelo uso do poder. E, quando se trata de empresas familiares, há um ingrediente adicional: o convívio e as tensões decorrentes são potencializados por questões emocionais, intrínsecos às relações entre parentes. Nesse contexto, o impacto das ambições e das expectativas individuais pode desencadear conflitos que afetam a condução dos negócios no dia a dia e, em alguns casos, ameaçam até a perenidade da empresa.
Cerca de 80% das empresas no mundo têm controle de família ou grupos de famílias, não se limitando a empresas de pequeno e médio porte. Mesmo organizações de capital aberto e conglomerados multinacionais têm controle, ou participações relevantes de famílias empresárias. Segundo estatísticas globais, aproximadamente um terço das empresas familiares consegue passar para a segunda geração e, destas, apenas 15% atingem a terceira geração.
A instalação de práticas formais de governança corporativa e familiar permite que se criem processos de profissionalização da administração das empresas, capazes de mitigar conflitos e estabelecer um modelo que equilibre os interesses e ofereça o melhor para os sócios, os negócios e a família. Por isso, a tarefa de transformar as expectativas dos empresários em diretrizes, objetivos de trabalho e metas, bem como a separação de papéis e o alinhamento entre os diversos níveis da administração, devem ser bem estruturadas.
Para se criar um ambiente propício para a formalização da governança, algumas etapas são muito importantes. No âmbito societário, qualquer que seja o modelo de sociedade empresarial, é preciso estabelecer um consenso – principalmente por parte dos controladores das empresas – seguido pelo comprometimento e pela formalização de um acordo societário. Esses ajustes permitem que a percepção do valor real das práticas empresariais, tanto para a sociedade e quanto para a administração do negócio, seja intensificada.
No âmbito da gestão, o imperativo da organização dos papéis na estrutura da empresa parece óbvio, mas deve ser enfatizado. Em empresas familiares, um cargo de confiança deve estar com um profissional tecnicamente bem preparado, seja membro da família ou não. Quando existe uma relação de apadrinhamento, fica difusa a linha que divide confiança e o profissionalismo. Isso significa que deve existir uma direção estratégica clara na gestão, com objetivos e retornos determinados para cada papel exercido na empresa, além de um consenso claro a partir do estabelecimento de políticas, código de conduta e um processo de meritocracia.
No âmbito familiar, é necessário atentar à evolução do negócio, bem como criar regras que permitam a mitigação de conflitos, seja na sociedade ou na própria família. Segregar as demandas pessoais das profissionais e estruturar relações no ambiente de trabalho sem privilégios e dentro das regras da empresa são pontos importantes para a relação profissional entre familiares que estão num mesmo negócio. Para as novas gerações, trabalhar na empresa deve ser uma opção de vida e de carreira, bem pensada e planejada em um processo estruturado.
A preparação da sucessão tem o objetivo de cuidar do patrimônio e do futuro da empresa. Na possibilidade de a próxima geração vir a trabalhar na empresa, é necessário que se tenha a perspectiva de mudanças e amadurecimento, pois a administração marcada pelo estilo de um fundador é impossível de ser reproduzida. O sucessor, afinal, é de outra geração, terá outra formação, outra visão de mundo – e o mundo também será outro. A busca por um plano sucessório pode ser parte de um processo mais amplo de conscientização e de entendimento da família para a solução de conflitos, tanto para os sucessores, quando para o sucedido.
Na estruturação de uma organização, o conselho de administração é um dos principais pilares da governança. Ele é um “guardião” de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa que, ao mesmo tempo, traduz as expectativas dos sócios em diretrizes e objetivos para os executivos. O conselho é instalado por uma decisão estatutária, com seus papéis e responsabilidades devidamente definidos. Formado com a inclusão de agentes externos, ele é responsável pelo estabelecimento de políticas, objetivos e diretrizes estratégicos, monitoramento e orientação da organização.
Como forma de diminuir tensões e divergências, as empresas familiares contam, adicionalmente, com instrumentos e órgãos que têm se estabelecido fortemente nos últimos anos. Um deles é o conselho de família, que pode ser instituído para a formação e informação dos familiares sobre os negócios, considerando o legado e valores da família. Já a mediação profissional atua na prevenção e na solução de conflitos, por vezes como alternativa a disputas judiciais (assim como as câmaras de arbitragem, que afastam a via judicial, trazendo mais agilidade no processo de solução de impasses).
O fato é que postergar ou evitar um processo de profissionalização da administração e a instalação de boas práticas de governança podem conduzir uma empresa familiar ao fim. Sua evolução, em direção oposta, envolve uma busca contínua por excelência e compreensão dos papéis de cada um. É isso que pavimenta o sucesso das relações familiares — e também dos negócios.
Por Luiz Marcatti é sócio e presidente da MESA Corporate Governance.
A MESA Corporate Governance trabalha a governança corporativa e familiar na dimensão humana do poder, dinheiro e afeto.
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