Economia

Explicando tecnicamente por que quem ganha menos paga mais impostos no Brasil

O sistema tributário brasileiro, com sua complexa estrutura de impostos, taxas e contribuições, carrega consigo uma característica marcante: a regressividade. Em termos mais simples, isso significa que a população de menor renda arca com uma carga tributária desproporcionalmente maior em relação à sua capacidade contributiva, perpetuando desigualdades e dificultando a ascensão social.

Para analisar a fundo essa problemática, vamos explorar exemplos concretos e apresentar gráficos que ilustram o impacto da regressividade na vida dos brasileiros, utilizando dados atualizados para 2024/2025.

Imposto de Renda: Progressividade Limitada na Prática

O Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), em tese, deveria ser o principal instrumento de progressividade do sistema. No entanto, a estrutura atual do IRPF, com suas alíquotas limitadas e base de contribuintes restrita, impede que ele cumpra plenamente esse papel.

Exemplo 1:

Consideremos dois indivíduos, A e B. O indivíduo A possui uma renda mensal de R$ 5.000, enquanto o indivíduo B recebe R$ 50.000 por mês. Aplicando a tabela do IRPF para 2025 (considerando que a tabela não sofreu alterações significativas em relação à de 2024), temos:

IndivíduoRenda Mensal (R$)Alíquota IRPF (%)Imposto a Pagar (R$)% da Renda Pago em IR
A5.00027,51.37527,5
B50.00027,513.75027,5

Observe que, apesar da grande diferença de renda, ambos pagam a mesma alíquota máxima de 27,5%. Isso demonstra a limitação da progressividade do IRPF.

Gráfico 1: Alíquota efetiva do IRPF em função da renda

Gráfico de linha mostrando a alíquota efetiva do IRPF em função da renda, com a linha se estabilizando na alíquota máxima de 27,5% a partir de determinado nível de renda

O gráfico acima ilustra como a alíquota efetiva do IRPF se estabiliza na alíquota máxima, independentemente do aumento da renda. Essa característica limita o potencial redistributivo do imposto.

Tributos Indiretos: O Peso do Consumo nos Ombros dos Mais Pobres

Os tributos indiretos, que incidem sobre o consumo, são os grandes responsáveis pela regressividade no sistema tributário brasileiro.

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Exemplo 2:

Imagine duas famílias, C e D. A família C possui renda mensal de R$ 1.518 (um salário mínimo), enquanto a família D tem renda de R$ 10.000. Ambas as famílias consomem R$ 828 em alimentos (valor da cesta básica em São Paulo, segundo o Dieese).

Considerando uma alíquota média de 18% de ICMS embutido nos alimentos, temos:

FamíliaRenda Mensal (R$)Gasto com Alimentos (R$)ICMS Pago (R$)% da Renda Pago em ICMS sobre Alimentos
C1.518828149,049,82
D10.000828149,041,49

Perceba que, embora ambas as famílias consumam o mesmo valor em alimentos, a família C, de menor renda, paga proporcionalmente mais ICMS. Isso ocorre porque o ICMS incide sobre o valor do consumo, e não sobre a renda.

Gráfico 2: Percentual da renda pago em ICMS sobre alimentos em função da renda familiar

Gráfico de barras mostrando o percentual da renda familiar gasto com ICMS sobre alimentos, com barras maiores para as faixas de renda mais baixas

O gráfico acima demonstra como o peso do ICMS sobre alimentos é maior para as famílias de menor renda, evidenciando o caráter regressivo desse tributo.

Consequências da Regressividade: Desigualdade e Atraso Econômico

A regressividade do sistema tributário brasileiro perpetua a desigualdade social, pois onera de forma desproporcional a população de menor renda. Além disso, a regressividade pode comprometer o crescimento econômico, ao reduzir a renda disponível para consumo e investimento.

Reformar para um Sistema Tributário Mais Justo

A reforma tributária é urgente e necessária para corrigir as distorções do sistema atual e construir um modelo mais justo e eficiente. A reforma deve buscar:

  • Aumentar a progressividade do IRPF: Criar novas alíquotas para rendas mais altas e ampliar a faixa de isenção, que em 2025 é de R$ 2.259,20 (Decreto 11.715/2023).
  • Reduzir o peso dos tributos indiretos: Eliminar tributos cumulativos e reduzir alíquotas de produtos essenciais. A PEC 45/2019, em tramitação no Congresso Nacional, propõe a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com alíquotas diferenciadas para produtos essenciais e supérfluos. É crucial que essa reforma contemple mecanismos de compensação para as famílias de baixa renda, a fim de evitar o aumento da carga tributária sobre os mais pobres.
  • Implementar mecanismos de compensação: Devolver parte dos tributos pagos para famílias de baixa renda, como o “cashback” do ICMS proposto em alguns projetos.
  • Simplificar o sistema: Tornar a legislação tributária mais clara e acessível.

A reforma tributária é um desafio complexo, mas é fundamental para garantir um futuro mais justo e próspero para todos os brasileiros. Somente com um sistema tributário mais equânime poderemos combater a desigualdade, promover o desenvolvimento econômico e construir uma sociedade mais justa.

Nota: Os cálculos e gráficos apresentados são simplificações da realidade e servem para ilustrar o problema da regressividade tributária. É importante consultar a legislação e os dados oficiais para uma análise mais precisa. As informações sobre a reforma tributária estão sujeitas a alterações, dado o caráter dinâmico do processo legislativo.

Ricardo de Freitas

Ricardo de Freitas possui uma trajetória multifacetada, ele acumula experiências como jornalista, CEO e CMO, tendo atuado em grandes empresas de software no Brasil. Atualmente, lidera o grupo que engloba as empresas Banconta, Creditook e MEI360, focadas em soluções financeiras e contábeis para micro e pequenas empresas. Sua expertise em marketing se reflete em sua obra literária: "A Revolução do Marketing para Empresas Contábeis": Neste livro, Ricardo de Freitas compartilha suas visões e estratégias sobre como as empresas contábeis podem se destacar em um mercado cada vez mais competitivo, utilizando o marketing digital como ferramenta de crescimento.

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