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Jair Bolsonaro é Presidente do Brasil

por Ricardo de Freitas
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Jair Bolsonaro é Presidente do Brasil

Ele desperta os sentimentos mais contraditórios. Aos olhos de seus seguidores, é o salvador da pátria, o mito, o único homem capaz de pôr ordem no país. Seus críticos, porém, o veem como um perigo para o Brasil e sua incipiente democracia. Depois de quase 30 anos na Câmara, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) deixou de ser um personagem folclórico parar virar um fenômeno a ser levado a sério. Desde março, o capitão reformado do Exército aparece na segunda colocação nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência.

Vendendo-se como um homem acima de qualquer suspeita, ele apresenta produção legislativa pífia em três décadas de Câmara, onde nunca ocupou cargo de destaque, sempre integrou o chamado baixo clero e é mais conhecido pelas confusões em que se mete do que por sua atuação parlamentar. Visto como novidade, ele projeta entre os seus fãs uma imagem de herói em tudo diferente do que ele foi como político até agora.

Desiludido com a política tradicional, o Brasil assiste à ascensão de um personagem que desperta sentimentos contraditórios, mas é tratado como “mito” por seus admiradores. Mito, segundo os dicionários, é uma ficção, um ser sobrenatural, um herói, uma figura cuja existência não pode ser comprovada e domina o imaginário coletivo. O “mito” Jair Messias Bolsonaro, 63 anos, tem como marcas as posições extremadas, a postura de enfrentamento constante e os discursos agressivos, em que reivindica ser o defensor e restaurador da ordem perdida.

capitão Bolsonaro

Capitão reformado do Exército, vende-se como homem acima de qualquer suspeita. Mas suas três décadas de trajetória política são bem menos épicas do que supõem muitos dos seus seguidores. Já usou verba da Câmara para custear despesas durante viagens em que teve atividades de pré-candidato a presidente. Tornou-se objeto de atenção pública, pela primeira vez, acusado de planejar a explosão de bombas em instalações militares.

Sua produção legislativa é pífia. Nunca ocupou cargo de destaque na Câmara. Sempre integrou o chamado baixo claro, grupo de congressistas com pouca projeção, e é mais conhecido pelas confusões em que se mete do que por sua atuação parlamentar.Um dos seus trunfos é que jamais foi envolvido em qualquer caso de corrupção.

Mas foi alvo de várias acusações criminais. No portal do Supremo, aparece como réu em duas ações penais, nas quais é acusado de injúria e apologia do estupro por ter afirmado, na Câmara, que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merece”. Em 2015, foi condenado pela Justiça a indenizar a parlamentar em R$ 10 mil pela mesma razão e também a indenizar em R$ 150 mil o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos do Ministério da Justiça, por fazer declarações homofóbicas num programa de TV. A decisão foi confirmada este ano pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

É ainda investigado pelo Ministério Público por apologia da tortura, por ter homenageado o coronel Brilhante Ustra, primeiro torturador reconhecido como tal pelo Judiciário brasileiro, ao votar pelo impeachment de Dilma, em abril de 2016. Para entender o fenômeno Bolsonaro, vamos mostrar um pouco mais do presidente.

Bolsonaro no Congresso

Embora atue como parlamentar há quase 30 anos, Bolsonaro é um grande desconhecido para diversos setores da economia e da sociedade. O deputado – que chegou a declarar que, se fosse eleito presidente, entregaria metade do ministério aos militares – é uma incógnita ambulante. A habilidade dele para criar conflitos é tão grande quanto a desconfiança sobre sua capacidade de governar o país.

Sempre que é instigado a falar de assuntos mais complexos, como economia, esquiva-se e volta a sua artilharia verbal aos inimigos de sempre: negros, mulheres, gays, “bandidos”, adolescentes, sem-terra, entre outros. A virulência das declarações do deputado é objeto de repulsa e, ao mesmo tempo, de admiração, conforme o público que as recebe. Cada vez mais popular, surfa na onda de decepção com políticos e partidos tradicionais, como o PT e o PSDB.

De acordo com o Datafolha, desde abril, quando alcançou pela primeira vez 15% das intenções de voto para presidente, está atrás apenas do ex-presidente Lula, à frente de figuras como Marina Silva (Rede), Aécio Neves (PSDB), Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT). No último levantamento divulgado pelo instituto, no começo de dezembro, ele alcançava até 19% das intenções.

Para a mídia ver

Com uma legião crescente de seguidores nas redes sociais, uma de suas maiores âncoras, e sempre recepcionado em aeroportos com gritos de “mito”, Jair Bolsonaro tem trânsito limitado na Câmara, onde está desde 1991. Pode ser encontrado às gargalhadas com deputados das bancadas evangélica e da bala (formada por defensores do armamento da população, como ele), mas não exerce liderança sobre elas. No Congresso, costuma circular com o filho Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) a tiracolo.

Eduardo Bolsonaro, e o pai, Jair Bolsonaro.     Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agencia Brasil

É parado para selfies com jovens, parabenizado por eleitores, chamado por visitantes para comentar alguns assuntos. Mas não empolga os colegas de Parlamento. “Não é um parlamentar efetivo, é midiático. Tem visibilidade pelo seu caráter autoritário, mas é um parlamentar ineficaz, sem peso nas decisões importantes”, afirma o diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Antônio Augusto de Queiroz.

Bolsonaro nunca figurou entre “os cabeças do Congresso Nacional”, selecionados anualmente pelo Diap há mais de duas décadas por sua elevada influência. Entre os atributos que caracterizam um protagonista, a entidade lista “a capacidade de conduzir debates, negociações, votações, articulações e formulações”.

O sobrenome do pai ajudou o filho Eduardo a ser o deputado em 2015 ele ficou na terceira colocação. Naquele ano militância não perdoou, porém, o fato de ele ter sido superado na votação digital por Jean Wyllys (Psol-RJ), notório defensor das causas LGBT, e inundou as redes sociais com comentários homofóbicos e acusações de manipulação do certame. O baixo prestígio de Jair Bolsonaro entre os parlamentares ficou flagrante em fevereiro de 2017. Candidato a presidente da Câmara, teve votos de só quatro dos 513 deputados.

Punições por falar o que pensa

O deputado é recordista em representações no Conselho de Ética. Com quatro processos, ele é o único que alcançou esse número desde que o conselho foi instalado, em 2001. O filho Eduardo Bolsonaro, em seu primeiro mandato, foi alvo de outros dois. A lista de acusações contra o pré-candidato à Presidência também é extensa na Corregedoria da Câmara, outra instância que apura a conduta dos parlamentares.

O deputado fluminense já foi denunciado, entre outras coisas, por chamar Lula de “homossexual” e Dilma Rousseff de “especialista em assalto e furto”. Já recebeu seis punições por causa de pronunciamentos agressivos e entrevistas polêmicas. Foram três censuras verbais e duas por escrito. Em todos os casos, escapou da abertura de processo de cassação do mandato.

Em 2000, chegou a dizer que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deveria ter sido fuzilado durante a ditadura. Bolsonaro é conhecido por moldar discurso e ações ao gosto da plateia que o aplaude. “Católico fervoroso”, como se definiu, foi batizado no rio Jordão, em Israel, pelo pastor da Assembleia de Deus Everaldo Pereira, presidente do PSC e candidato à Presidência em 2014.

Dono de um discurso radical contra o PT, já admitiu ter votado em Lula para presidente em 2002. Quando ainda era filiado ao PP, manifestou intenção de ser candidato a vice de Aécio Neves (PSDB) em 2014. Às vésperas do segundo turno, foi esnobado pelo tucano, que não o convidou para tirar fotos nem participar de uma carreata em Copacabana.

Naquele ano o deputado se reelegeu com a maior votação da bancada do Rio de Janeiro, com 464 mil votos.Embora abomine hoje qualquer referência ao comunismo, já fez lobby junto ao ex-presidente Lula, em 2003, pela indicação do então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para o Ministério da Defesa. “As coisas mudaram. Hoje comunista toma uísque, mora bem e vai na piscina”, afirmou na época. Ao ser questionado sobre a legalização do aborto, em uma entrevista dada à revista IstoÉ, em 2002, afirmou que a decisão caberia exclusivamente ao casal. Atualmente se diz “a favor da vida” e contra a interrupção da gravidez.

Pedaladas na Oktoberfest

Deputados Eduardo e Jair Bolsonaro, além do deputado catarinense Rogério Peninha Mendonça (PMDB) durante a Oktoberfest de 2015.  Foto: Flickr/Bolsonaro

Zeloso da fama de político honesto, com a qual tenta se diferenciar dos colegas e adversários, Jair Bolsonaro tem viajado país afora em campanha presidencial, bancando parte dos custos com a cota parlamentar da Câmara. Seja para pagar hotel, seja para voar até cidades em que reúne um público inflamado em aeroportos e auditórios. Segundo ele, não há irregularidade porque está cumprindo agenda relacionada ao mandato.

Em outubro de 2015, ele e o filho Eduardo participaram animadamente das comemorações da Oktoberfest em Blumenau (SC). Acompanhado do anfitrião, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC), pedalou na Centopeia do Chope, o brinquedo que abre o desfile do tradicional grupo Planetapéia, percurso em que distribuiu acenos e sorrisos aos foliões.

Estavam vestidos a caráter, com a veste masculina alemã lederhosen, azul, com gravata amarela e chapéu vermelho. Após a festa, pai e filho retornaram para Balneário Camboriú (SC), onde estavam hospedados no Hotel Villa Mar. Eles haviam ido à cidade litorânea a convite de um empresário para discutir questões políticas. No encontro, Bolsonaro falou sobre o desejo de concorrer ao Planalto. As passagens não foram custeadas pela cota parlamentar. Mas as notas fiscais entregues à Câmara pelos dois deputados informam que as duas diárias custaram, ao todo, R$ 1 mil.

Exército de militantes virtuais

Bolsonaro é um fenômeno digital. Dos atuais presidenciáveis é, desde o início de junho, quem mais faz sucesso no Facebook. Com 4,3 milhões de seguidores, desbancou da primeira colocação o senador Aécio Neves, que caiu em desgraça após a delação da JBS. As plataformas digitais de redes sociais estão abarrotadas de páginas e perfis de apoio à candidatura de Bolsonaro ao Planalto.

As postagens são diárias. Muitas delas têm alvo certo: o Partido dos Trabalhadores (PT). As Forças Armadas também são tema recorrente, mas, nesse caso, de exaltação. Quase todos os dias a equipe posta um vídeo diferente. Em muitas ocasiões, o próprio deputado interage com os fãs. No Twitter, ele acumula mais de 450 mil seguidores.

Aos opositores, ele responde da forma usual: sem filtros. No Instagram, mais de 446 mil usuários o seguem. Também lá, as postagens são diárias, muitas delas replicadas de outras redes. Publicar críticas a Bolsonaro na internet é sinônimo de comprar confusão. As respostas de seus admiradores costumam ser tão rápidas quanto virulentas e massivas. O deputado tem em torno de si uma rede de apoiadores engajados.

Com o claro propósito de impulsionar a candidatura de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, esse exército voluntário tem alavancado a imagem do parlamentar com organização de ações digitais, potencializando cada polêmica em que ele se envolve e todas as opiniões que emite. Ele mesmo participa de vários grupos de WhatsApp, conversa, interfere e faz pedidos aos integrantes.

Conexões cristã e política

Com 19 anos, Raul Holderf articula uma das maiores redes de apoio a Bolsonaro. Estudante de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele é adventista e se considera um jovem conservador e de direita. A militância começou pelo perfil no Twitter @conexãocristão, em meados de 2015, e se intensificou com a criação do @conexãopolítica no fim de 2016. Hoje, coordena uma equipe de 12 pessoas.“Não é sempre que falamos do Bolsonaro, entramos em ações pontuais como a defesa no caso com a Maria do Rosário”, explica.

Brasília- DF- Brasil- 10/12/2014- Sessão para votar o pedido de cassação do mandato do deputado André Vargas (sem partido-PR). Na foto, Dep. Jair Bolsonaro (PP-RJ). Foto: Gabriela Korossy/ Câmara dos Deputados

Raul conheceu o deputado pessoalmente quando teve de realizar um trabalho escolar sobre políticos do Sudeste. Escolheu Bolsonaro e passou a admirá-lo: “Acho válido chamá-lo de mito pela forma como ele vem atuando: espontânea, sincera, firme, em defesa da família”. Raul admite que Bolsonaro não é incontestável. “Ninguém é perfeito, nenhum político é”, diz. Um dos problemas que ele aponta é a retórica furiosa do deputado, a mesma que alavancou sua imagem. “Às vezes, a forma como ele se expressa pode queimá-lo. Ele não é homofóbico e faz parecer que é, mas já vem mudando”, espera.

O ativista diz que, se alguém não concorda com o fato de outra pessoa ser gay, isso não é motivo para perseguir. “Não se pode gerar um discurso de ódio”, argumenta.

Pirâmide

Mais focado no Facebook e no WhatsApp, o coordenador de importações Thiago Turetti, 34 anos, comanda uma força-tarefa pró-Bolsonaro. “É o movimento ‘Jair Bolsonaro presidente’. Ao todo, somos 72 líderes. Cada um liderando outros grupos”, explica. Um grupo de WhatsApp reúne os 72 cabeças do movimento. Há outros para cada estado e para conversas com jovens. “É como uma pirâmide”, define.

Turetti trabalha quase em tempo integral na militância de Bolsonaro. No Facebook, ele criou em 2013 a página “Jair Bolsonaro presidente 2018”, além de outras dez, incluindo algumas com perfil de humor, como “Bolsonaro zueiro”, e outras como “Liga direitista”. Enquanto o WhastApp tem foco maior nas apoiadores mais engajados, em elaboração e disseminação de estratégias, o Facebook serve para ampliar a mensagem e persuadir novos eleitores.

Boa parte do conteúdo passa por Turetti. “Quase 80% do que postamos eu escrevo. Mas tem o pessoal que faz o design. Além disso, tenho de estar sempre de olho se não tem alguém da esquerda infiltrado”, comenta. O grupo da liderança define a pauta semanalmente. “A gente escolhe: atacar o Lula. A partir daí, pensamos a estratégia para levantar o assunto.” Ele diz que já foi marxista, mas só se tornou militante na direita.

Os dois bolsonaristas contam que já tiveram seus perfis bloqueados depois de denúncias. Faz parte do trabalho recuperar as contas e seguir mobilizando gente. “A gente já recebeu até ameaça de morte. Tem muito pastor que não gosta quando a gente bate na tecla da mercantilização do evangelho. A nossa mente é bem ampliada”, diz Raul. “Até 2018 a gente vai estar turbinado”, promete Turetti.

Cyborgs

Jair Bolsonaro tem uma militância orgânica, que trabalhou voluntariamente e sem remuneração. Mas há indícios de que sua força na internet vai além dos seus militantes, que os adversários chamam de “bolsominions”. É provável que esteja relacionada também com o uso de cyborgs – “algo que é meio robô, meio humano”, explica o coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Fábio Malini.

O professor avalia que muitos dos perfis que apoiam Bolsonaro se enquadram nesse padrão. “É possível criar orientações computadorizadas para replicar conteúdo de determinada lista de usuários”, exemplifica. Difícil é identificar os cyborgs. “Todo militante político, de todos os lados, tem comportamento robótico, é monotemático “, afirma o professor. Ainda assim, existem padrões que indicam quando essas ferramentas são usadas. Quando, por exemplo, um grupo gera um círculo e se retuíta e se menciona mutuamente. Ou quando algumas publicações são feitas em volume elevado e em alta velocidade.

Malini fez um levantamento, a pedido da reportagem, dos tuítes que mencionaram Bolsonaro por uma semana — entre 26 de maio e 2 de junho. No total, foram registrados 75 mil tuítes, que correspondem a 10% de tudo o que foi dito sobre o presidente. “Num momento em que Temer está no olho do furacão, é bastante”, destaca Malini.

Ele acrescenta que “o campo conservador está bombando na internet” e esse movimento pode impactar de fato a sociedade. Para o pesquisador, uma questão em aberto é se a atuação nas redes poderá levar partidos nanicos ao poder. Ele lembra que a política é “altamente influenciada pela carga emocional das pessoas” e alerta que não existem algoritmos capazes de barrar as chamadas fake news, o que leva alguns a imaginarem Bolsonaro como uma espécie de Trump brasileiro.

Pouco dinheiro, muitos votos

Até o momento, ele tem conseguido aglutinar eleitorado em torno de si e de quem apóia. As campanhas eleitorais dele são baratas, sem gastos elevados de recursos. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro declarou ter gastado R$ 405 mil para se reeleger em 2014. Isso significa, pela quantidade de votos que alcançou, que cada um deles saiu a R$ 0,87.

A sistematização dos dados é do professor do Programa de Pós-Graduação do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor) da Câmara dos Deputados, João Marciano. “Foi uma campanha baratíssima. São dados que, entre outros elementos, nos permitem avaliar o tamanho do capital político do candidato. O voto muito barato significa que ele não precisou investir tanto, se esforçar tanto.

É claro que existe uma lógica perversa por trás disso, mas os dados nos dão um parâmetro de análise”, avalia Marciano, que desenvolve pesquisas sobre financiamento de campanha. Como comparação, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), também eleito pelo Rio de Janeiro, teve a maior arrecadação entre os candidatos ao cargo de deputado federal. Para a campanha, ele angariou R$ 6 milhões. Com metade dos votos de Bolsonaro, cada voto recebido por Cunha custou, então, R$ 29,36. Ou seja, 33 vezes mais que o de Bolsonaro.

A marca do sobrenome também elegeu para o primeiro mandato o filho Eduardo, por São Paulo. Cada voto de Eduardo saiu ainda mais barato do que o do pai: R$ 0,64. Em maio, Bolsonaro foi cobrado por seus seguidores a dar explicações assim que seu nome apareceu na lista de beneficários de doações do grupo JBS, entregue pelos delatores à Procuradoria-Geral da República.

O portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indica que ele recebeu o valor de R$ 200 mil da JBS para sua campanha em 2014. Ele informou que devolveu o valor ao partido, o PP, como de fato consta nos dados da Justiça Eleitoral. No entanto, logo em seguida, o então candidato à reeleição recebeu exatamente o mesmo valor, dessa vez da conta do próprio PP no fundo partidário. A transação é vista por adversários como uma forma de maquiar a doação da JBS e se desvincular do grupo.

Também neste ano, em março, foi reaberta a investigação da chamada “Lista de Furnas”, que investiga como dinheiro de caixa dois teria abastecido 156 campanhas em 2000. Jair Bolsonaro aparece como destinatário de R$ 50 mil. Ele, assim como outros citados, boa parte do PSDB, alega que o documento foi forjado por petistas.

Tudo em família

Jair Bolsonaro e os filhos políticos  Foto: Flickr/Bolsonaro

A família Bolsonaro tem mais representantes no Legislativo brasileiro do que ao menos cinco partidos registrados: PCO, PSTU, Novo, PCB e PPL. São dois deputados federais, um deputado estadual e um vereador. Assim como o pai, Eduardo Bolsonaro, 33 anos, ocupa uma cadeira na Câmara, mas por São Paulo. Flávio Bolsonaro, 36, exerce mandato na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e Carlos Bolsonaro, 34, é vereador no Rio.

A família também faz sucesso na internet, com fotos e mensagens que procuram mostrar completa comunhão de ideias e propósitos. Carlos chegou à Câmara Municipal para substituir a mãe, Rogéria Nantes, que também trilhou carreira política enquanto o ex-marido queria. Em entrevistas, Bolsonaro atribuiu o fim do casamento à indisciplina de Rogéria. “Ela era uma dona de casa. Acertamos um compromisso. Nas questões polêmicas, ela deveria ligar para mim para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. Eu a elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias.”

Rogéria foi vereadora da capital fluminense, eleita em 1992 e 1996, basicamente pela força do sobrenome que acrescentou com o casamento. Sem mandato, trabalhou como assessora na Secretaria da Casa Civil do Rio até agosto de 2016. Mesmo com o término da relação, conserva o apoio político ao pai de seus três filhos. Caçula do casal, Carlos Bolsonaro foi eleito o vereador mais jovem do país, aos 17 anos, em 2000.

Como o pai e os irmãos, já defendia a pena de morte, a tortura para traficantes e chamava os sem-terra de vagabundos. Em 2016, foi o mais votado do Rio ao conquistar o seu quinto mandato. Empresário e advogado, Flávio Bolsonaro entrou para a política em 2003, como deputado estadual, também o mais jovem daquela legislatura. Está em seu quarto mandato. No ano passado, disputou a prefeitura do Rio. Com 424.307 votos (14% dos válidos), ficou na quarta colocação, à frente dos deputados federais Índio da Costa (PSD) e Jandira Feghali (PCdoB).

Eduardo Bolsonaro é novato na política. Policial federal, iniciou em 2015 o primeiro mandato. Saiu por São Paulo porque lá trabalhava na época. Seu gabinete é vizinho ao do pai, no anexo 3 da Câmara, conhecido por abrigar os deputados sem prestígio na Casa para se instalar no anexo 4, onde as salas são melhores. De seu segundo casamento com Ana Cristina Valle, Bolsonaro tem outro filho, Renan, hoje com 19 anos.

Em 1999, quando se divorciava de Rogéria, o deputado foi acusado de nepotismo ao empregar a companheira, o pai e uma irmã dela na Câmara. O sogro e a cunhada moravam em Juiz de Fora (MG), fora de Brasília e do estado de origem do parlamentar, o que contrariava as regras da Casa. Já Ana Cristina trabalhava no gabinete do líder do partido de Bolsonaro na época, o PPB. “Estou me divorciando da minha primeira mulher. A Ana Cristina é minha companheira. Não somos casados. Portanto, não são meus parentes”, justificou na ocasião.

No início de dezembro o jornal O Globo mostrou que uma irmã de Ana Cristina e tia de Renan Bolsonaro, Andrea, está lotada no gabinete do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSC-RJ), filho mais velho do presidenciável.

Em 2013, o deputado se casou com a atual esposa, a evangélica Michelle Bolsonaro. A cerimônia foi celebrada no Rio pelo polêmico pastor Silas Malafaia. Os dois já eram pais de Laura, a única filha do deputado, hoje com seis anos. “Tenho cinco filhos. Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”, disse o deputado em abril.

Troca-troca

O PSC, ao qual se filiou em 2016 e do qual está de saída, é a sétima sigla a abrigar Jair Bolsonaro. Antes, ele passou por PDC, PPR, PPB, PTB, PFL (hoje DEM) e PP. Apesar da trajetória marcada pela inconstância partidária, sua força eleitoral faz dele sonho de consumo de várias agremiações. Desta vez, tem demonstrado maior cautela para definir o futuro partido. Conversou com dirigentes e parlamentares de várias legendas. Entre elas, PR, PRB, Solidariedade e DEM. A expectativa é de que se filie ao PEN, rebatizado agora de Patriotas a pedido dele.

Sob rótulo novo, o Bolsonaro de sempre seria ajudado na tarefa de reciclar a imagem. Hoje, seus memes e vídeos banhados em cultura pop lhe dão um ar de “não político”, ou político não convencional, embora a velha política profissional seja o seu território há três décadas. No MB, quem desde sempre foi porta-voz de ideias antidemocráticas, como a defesa da ditadura e da tortura, endossaria o programa de um partido que “define a democracia como único meio livre e digno de atuação política e interação social”.

Os desafios para chegar ao Planalto

O professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Márcio Coimbra acredita que Bolsonaro possa alcançar até 20 milhões de votos em uma eventual disputa presidencial. Para ter sucesso em uma eleição majoritária, no entanto, vai precisar de um partido de médio porte. Coimbra, que é consultor político internacional e já trabalhou no Partido Republicano dos Estados Unidos, acredita que Bolsonaro é um candidato facilmente derrotável no segundo turno – poucos se arriscariam a ficar do lado dele, tamanho o seu radicalismo.

Pré-candidato declarado, ele tem circulado o país para se fazer mais conhecido, apesar das três décadas de vida pública. Embora tenha construído sua imagem com base em polêmicas, estilo agressivo e postura de ataque, o deputado tenta suavizar o radicalismo pelo qual é conhecido e também tem sido orientado a baixar o tom nos discursos que faz na tribuna e em comissões da Casa.

O plano é recuperar imagens de falas menos coléricas e até mesmo cenas em que ele segure a bandeira arco-íris, símbolo do movimento LGBT, ao qual Bolsonaro endereça ataques recorrentes. Outra estratégia é valorizar comentários dele contra a corrupção. Na linha dessa pauta, em destaque na sociedade, o deputado e sua equipe pretendem se servir da rejeição à política tradicional e vender a ideia de que o PT e o PSDB, clássicos adversários da política nacional PT e PSDB, não têm diferenças reais. Para tentar domesticar o seu comportamento, o PSC chegou a pagar um curso de media training para Bolsonaro com a consultora de imagem Olga Curado. A mesma que cuidou da imagem eleitoral dos ex-presidentes Lula e Dilma, e de personalidades como o apresentador de TV Gugu Liberato.

O deputado aprendeu várias técnicas para conceder entrevistas, fazer discursos mais compreensíveis e amenizar seu estilo excessivamente agressivo.

Eleitorado surpreendente

Na pesquisa Datafolha divulgada em 26 de junho, Jair Bolsonaro aparecia na segunda posição em todos os cenários mensurados. O levantamento chega a indicar a liderança do congressista entre os que completaram o ensino superior e os que informam renda familiar maior que cinco salários mínimos.

Seu eleitor médio tem entre 16 e 24 anos, é homem, escolarizado e de renda elevada. O deputado, que atinge 16% das intenções de voto no cenário em que concorre com Lula (PT), Marina Silva (Rede) e Aécio Neves (PSDB), chega a 21% entre os que concluíram faculdade, vai a 27% entre os que têm renda familiar mensal de R$ 4,7 mil a R$ 9,4 mil e atinge 28% entre quem ganha mais que isso.

Sua popularidade decresce conforme a idade do eleitor aumenta. Entre as mulheres, ele tem metade das intenções de votos alcançada entre os homens, uma discrepância de gênero que não se repete com os outros pesquisados. O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, considera surpreendente o resultado bem como o perfil do potencial eleitorado de Bolsonaro. “A formação dessa base eleitoral, não que ele tenha votos apenas nesse segmento, mas é geralmente uma base de esquerda, mais ligada a ideias progressistas. De fato, quando olhamos o eleitorado de Lula, ele também se destaca entre os mais jovens e mais escolarizados, só que os mais pobres e periféricos”, compara.

O radical que divide a direita

Professor de gestão de políticas públicas na Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado tem se dedicado ao estudo da polarização política no Brasil e do uso da imprensa e do noticiário nesse processo. “Jair Bolsonaro é um personagem muito extremo e representa de maneira muito forte uma parcela do conservadorismo moral, punitivista, contrário aos direitos humanos. Essa é uma fatia que ele expressa muito bem e está sabendo explorar”, considera.

Foto: ANSA / Ansa – Brasil

Mas, para ampliar o público com quem dialoga, Bolsonaro terá de mudar. “Terá de deixar de ser quem é, e aí ele perde apoio desse eleitorado já conquistado”, avalia. Para o professor, esse é o grande desafio do deputado para se tornar um candidato viável. Embora seja tido como arauto da direita brasileira, Bolsonaro está longe de ser consenso nesse campo. “Ele é muito desqualificado. Não tem domínio de política pública, não é qualificado para se tornar presidente. Não consigo ver o establishment aceitando uma pessoa como ele”, afirma Ortellado.

Num debate eleitoral, o pesquisador acredita que essas limitações serão evidenciadas. “Ele só tem uma retórica em que explora ao máximo, no limite, a insatisfação das pessoas. “Definitivamente, ele não é dominante no campo antipetista. Mas quando a esquerda o coloca como vilão, ele ganha espaço. Num cenário polarizado, as pessoas olham e acreditam que, se ele é uma pedra no sapato da esquerda, logo, deve ser bom”, observa o professor. Ainda assim, Pablo Ortellado entende que Bolsonaro está à parte do jogo democrático, por suas posições autoritárias, enquanto a direita permanece na disputa inerente à democracia.

Isso explica, no entendimento dele, porque o deputado está longe de ser unanimidade na direita. Márcio Coimbra, que já trabalhou em partidos de direita dos Estados Unidos, da Itália e da França, enfatiza que esse campo também tem vertentes diferentes. “Bolsonaro tem uma veia conservadora nos temas sociais. E a agenda econômica? Nosso regime militar foi altamente estatizante.

O governo de Geisel gerou a década perdida de 1980, como o de Dilma. Ele defende um regime que na área econômica é estatista. Não fica claro quem ele é, o que defende”, adverte o analista político. Ou seja, na prática, Bolsonaro não abraça a direita liberal, bate de frente com ela na área econômica.

Outsider, com teto

Esse público que se identifica com Bolsonaro encontrou nele um outsider. “O eleitorado quer alguém descolado do sistema político tradicional. Por isso, Bolsonaro cresce. Mas tem um teto”, afirma Márcio Coimbra, do Ibmec. Apesar de extensa carreira pública, com traços bastante tradicionais da política brasileira, como a colocação de parentes no sistema, o deputado tenta se apresentar como uma novidade justamente por sua baixa circulação no alto clero da política. “É uma pessoa que não faz parte do establishment, nunca teve cargos em estatais, nunca ocupou ministérios, nunca teve posição de destaque”, diz Coimbra.

O Datafolha acompanha o comportamento político do brasileiro desde 1989. “O ano de 2013 foi um divisor na percepção da população, que desacredita cada vez mais da política. Temos dois terços da população sem qualquer preferência partidária. É a taxa mais alta desde 1989”, analisa Mauro Paulino. “Com esse desalento, o eleitor procura soluções fáceis para problemas complexos. Aí que Bolsonaro cresce. Mesmo um eleitorado mais escolarizado, com mais acesso a informação, se volta para esse perfil”, avalia.

Nesse cenário, não é improvável que ele continue crescendo. Mas Paulino também acredita em um teto. “Não vai ser só com bravatas que ele vai se manter. Quando começa a campanha de rádio e TV os eleitores acordam que as eleições estão de fato sendo disputadas. A marca precisa ser consistente para resolver os problemas mais graves”, completa o diretor do Datafolha.

Pré-candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro 06/06/2018 REUTERS/Adriano Machad

As frases polêmicas de Jair Bolsonaro

“Fui ser deputado federal para não andar de ônibus, fusca, van, e morar bem.”
Ao ser perguntado por um vendedor ambulante, em agosto de 2013, se o transporte não seria melhor caso os políticos utilizassem o serviço

“Sou preconceituoso, com muito orgulho.”
Em entrevista à revista Época, em 2011

“Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.”
Em entrevista sobre homossexualidade à revista Playboy, em dezembro de 2011

“O filho começa a ficar assim, meio gayzinho, leva um couro e muda o comportamento dele.”
Em um debate na TV Câmara, em 2010

“Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater.”
Após o então presidente FHC segurar uma bandeira com as cores do arco-íris em defesa da união homoafetiva, em maio de 2002

“Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados.”
Em resposta a Preta Gil, sobre o que faria se seus filhos se relacionassem com uma mulher negra ou com homossexuais, no programa CQC, da Band

“Fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Nem pra procriador ele serve mais.”
Em palestra no Clube da Hebraica, no Rio, em abril de 2017

“Não te estupro porque você não merece.”
Para a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), em dezembro de 2014

“Mulher deve ganhar salário menor porque engravida. Quando ela voltar [da licença-maternidade], vai ter mais um mês de férias, ou seja, trabalhou cinco meses em um ano.”
Em entrevista ao jornal Zero Hora, em fevereiro de 2015

“Sou capitão do Exército, minha missão é matar.”
Em palestra em Porto Alegre, em junho de 2017

“O erro da ditadura foi torturar e não matar.”
Em participação no programa Pânico, da rádio Jovem Pan, em julho de 2016

“Pinochet devia ter matado mais gente.”
Sobre a ditadura chilena de Augusto Pinochet em entrevista à revista Veja, edição 1575, de 2 de dezembro de 1998

“No período da ditadura, deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique.”
Em maio de 1999, num programa de TV, ao defender o fechamento do Congresso Nacional

“Desaparecidos do Araguaia? Quem procura osso é cachorro.”
Para familiares de desaparecidos na ditadura, em cartaz anexado na entrada de seu gabinete na Câmara dos Deputados, em maio de 2009.

Viagem

 

 

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