No próximo dia 17 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5996/AM, que tem como objeto a Lei 289/2015, do Estado do Amazonas, proibitiva de testes e experimentos, em animais, de produtos cosméticos, higiene pessoal, perfumes e seus componentes em todo o território do estado. A alegação da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABHIPEC) é de que a lei seria inconstitucional por usurpação de competência da União e por violação do princípio da segurança jurídica.
Por outro lado a Humane Society International (HSI), admitida como amicus curiae na lide, representada pelo advogado Gustavo Ramos, sócio do Mauro Menezes & Advogados, ressalta que não há usurpação de competência quando os Estados federados legislam conferindo máxima efetividade ao texto constitucional, que veda a prática de crueldade contra animais (art. 225, §1º, VII, da Constituição Federal), no exercício de sua competência concorrente e em sintonia com as legislações federais que, igualmente, regulam a matéria – Lei Arouca (Lei 11.794/2008) e Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998).
“Para fins de controle de constitucionalidade, o parâmetro principal é o texto constitucional. Quanto ao tema em debate, o constituinte indicou serem vedadas, na forma da lei, práticas que submetam os animais à crueldade, incumbindo esse dever ao Poder Público, considerados todos os entes federativos. É a partir desse postulado, portanto, que deve ser interpretado o conjunto de normas atinentes à proteção de fauna e flora e, por consequência, do meio ambiente adequado”, explica Ramos.
O advogado da HSI também destaca que a experiência cruel com animais já é um crime ambiental no Brasil sempre que houver recursos alternativos. “Por sua vez, a Lei Arouca regulamenta as experiências e testes para que não sejam feitos de forma cruel e atendam a requisitos mínimos de ética animal. A legislação estadual combatida, portanto, fortalece o espectro legal e constitucional protetivo avançado que já existe no ordenamento jurídico brasileiro. Longe de contrariar a legislação federal ou a Constituição Federal, ela complementa a proteção nelas já exaltada”, aponta.
Gustavo Ramos alerta também que em todo o mundo, agências de saúde e de pesquisa estão estabelecendo metas ambiciosas para eliminar testes em animais para todas as categorias de produtos, e não apenas para os cosméticos. “Por exemplo, há mais de uma década, o Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos (NRC) reconheceu as deficiências do modelo de pesquisa animal diante dos desafios toxicológicos atuais em seu relatório Toxicity Testing in the 21st Century: A Vision and a Strategy, afirmando que em “um futuro não tão distante praticamente todos os testes de toxicidade de rotina seriam conduzidos em células humanas ou linhas celulares”. Assim, o NRC apresentou uma estratégia científica para atingir esse objetivo, desenvolvendo métodos de alto rendimento baseados em células e modelagem computacional. Essa abordagem é mais rápida, mais barata e mais preditiva do que os testes em animais”, exemplifica.
No exame da ADI ora discutida, é importante, segundo Gustavo Ramos, enfrentar duas questões: Quais são os efeitos das normas jurídicas no comportamento dos atores relevantes? São esses efeitos socialmente desejáveis?
“As legislações proibitivas da utilização de animais em experimentação pela indústria cosmética têm como efeitos a mudança de comportamento de consumidores, a criação de novos nichos no mercado de pesquisa científica e testagem, e a adoção de boas práticas pelas próprias empresas. Todos esses efeitos são, de forma inegável, socialmente desejáveis. Os consumidores passam a exigir produtos que atendem a padrões éticos superiores, pois reconhecem os animais não-humanos como sujeitos dignos de proteção e respeito. Por outro lado, avança-se em termos científicos, com o desenvolvimento de técnicas inovadoras e mais modernas. Essa transformação gera novos postos de trabalho e novas demandas de mercado, contribuindo para a dinamização do setor de cosméticos”, conclui o advogado da HDI.