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Americanas antecipou resgate de dívida no dia do seu escândalo contábil
Americanas antecipou resgate de dívida no dia do seu escândalo contábil
28/07/2023 15h43 Atualizada há 1 ano
Por: Gabriel Dau
Lojas Americanas — Foto: Divulgação/Shopping Jardim Norte

Nas semanas anteriores à divulgação de seu escândalo contábil de R$ 20 bilhões, a Americanas traçou um plano para tentar acelerar o pagamento de mais de R$ 1 bilhão em títulos de dívida. Uma parte dos valores, que só venceria em 2026, foi antecipada para 11 de janeiro, o mesmo dia em que a companhia publicou o documento em que admitia as chamadas "inconsistências" nos balanços, que a levariam à recuperação judicial dias depois.

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A emissão de debêntures LAMEA3, no valor de R$ 1 bilhão, foi feita pela Americanas em janeiro de 2019 com prazo de vencimento apenas para janeiro de 2026, mas sua escritura tinha uma cláusula que permitia o resgate antecipado, para que o pagamento fosse realizado a partir do dia 11 de janeiro de 2023.

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Em 23 de dezembro do ano passado, o então presidente da Americanas, Miguel Gutierrez, divulgou um comunicado ao mercado avisando que a empresa faria o adiantamento na data prevista pela cláusula.

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Debêntures são títulos de dívida que as companhias emitem para captar recursos que podem ser usados para financiar seus projetos. Os investidores que adquirem esses papéis ficam com o direito de crédito sobre a empresa até a data da liquidação.

A emissão da LAMEA3, assim como a de outras debêntures, são da espécie quirografária, ou seja, se a empresa não tivesse antecipado o seu pagamento para o dia 11, seus credores entrariam no grupo dos que não têm preferência na ordem de pagamento na lista da recuperação judicial e só recebem depois de outras classes de credores prioritários, como os trabalhistas.

Americanas entrou em recuperação judicial no dia 19 de janeiro com dívidas da ordem de R$ 43 bilhões, mais de 16 mil credores e apenas R$ 800 milhões declarados em caixa. Ao menos outras cinco debêntures estão relacionadas na recuperação judicial —e seus credores, portanto, entraram na fila para conseguir reaver o dinheiro devido pela varejista.

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Procurada pela Folha para falar sobre a coincidência das datas, a Americanas afirma que o movimento de antecipação de pagamentos foi decisão tomada antes da divulgação do fato relevante de 11 de janeiro e que o saldo da debênture LAMEA3 em setembro de 2022 era de aproximadamente R$ 216 milhões. Questionada, a Americanas não informa quando teria ocorrido o resgate dos valores restantes do título de R$ 1 bilhão. O montante com patamar pouco acima dos R$ 210 milhões aparece detalhado nas informações financeiras da companhia desde, pelo menos, junho de 2021.

A companhia não respondeu à reportagem quem são os investidores titulares na emissão de debêntures LAMEA3, ou seja, quem teria recebido o pagamento antecipado. De acordo com as informações da escritura, a subscrição ou compra dessa emissão deveria envolver no máximo 50 investidores profissionais, que podem ser instituições financeiras, seguradoras, entidades de previdência complementar, fundos, pessoas físicas ou jurídicas que tenham investimentos financeiros acima de R$ 10 milhões, entre outros.

Além da LAMEA3, a Americanas tentou, mas não conseguiu, fazer o resgate antecipado para o pagamento de outras duas debêntures, a LAMEA4 e a LAMEA5, de R$ 500 milhões cada uma. Emitidas em maio e junho de 2020, respectivamente, ambas tinham prazo de vencimento mais curto, para maio e junho deste ano.

Nesses dois casos, porém, suas escrituras não previam o resgate antecipado. A Americanas, então, também em 23 de dezembro do ano passado, publicou dois editais para convocar duas assembleias de debenturistas, marcadas para o dia 13 de janeiro, com o objetivo de modificar tais cláusulas na LAMEA4 e na LAMEA5, de modo a incluir a possibilidade de realizar a antecipação.

No dia 9 de janeiro, dois dias antes do anúncio do escândalo contábil e já sob a gestão do novo presidente, Sergio Rial, a empresa cancelou as duas assembleias. Sem a possibilidade de resgate das debêntures LAMEA4 e LAMEA5, ambas foram incluídas na relação de credores da recuperação judicial da Americanas.

Na lista da recuperação judicial, também aparecem outras três emissões. A LAMEA6, que envolve dívida de R$ 350 milhões, a LAMEA7, com mais de R$ 2 bilhões, e a mais recente delas, a LAMEA8, em torno de R$ 1 bilhão, emitida em 20 de outubro de 2022.

Resgates antecipados são possíveis, em geral, quando os papéis estão pagando juros mais altos que os de mercado. Nesse caso, empresas podem antecipar o resgate para trocar essa dívida mais cara por uma em condições mais vantajosas.

Segundo Ricardo José de Almeida, professor de finanças do Insper, "antes do quiproquo ela [Americanas] era uma empresa que, para o mercado, aparentemente, tudo levava a crer, poderia captar mais barato", afirma.

Para Adriano Rondeli, especialista de alocação da Valor Investimentos, a medida poderia ter diferentes explicações. "O mercado realmente estava fazendo esse movimento de desalavancar as empresas, dado o juro alto. E a multa era pequena frente ao tamanho da economia. Outro motivo poderia ser o de destravar algum ganho operacional reestruturando a dívida no perfil dos covenants [obrigações aplicadas aos tomadores de créditos]", afirma.

Outros gestores, porém, dizem ter visto alguns movimentos com estranhamento, como a convocação das assembleias por um CEO que estava de saída, o posterior cancelamento e a tentativa de antecipar o resgate de debêntures marcadas para vencer em poucos meses, como eram os casos da LAMEA4 e LAMEA5.

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Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do ex-CEO Miguel Gutierrez afirma que ele não vai comentar o assunto neste momento.

Calendário das debêntures

10.jan.2019

18.mai.2020

2.jun.2020

23.dez.2022

9.jan.2023

11.jan.2023

19.jan.2023

18.mai.23

2.jun.2023

10.jan.2026

Fonte: Folha de São Paulo