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Taxação sobre o consumo: especialista explica o que realmente irá mudar com a aprovação do projeto de regulamentação da reforma tributária
Para a advogada tributarista Renata Bilhim, mesmo com a transição para o novo modelo tributário, o consumidor final continuará a arcar com os custos sobre bens e serviços
28/08/2024 06h20 Atualizada há 3 semanas
Por: Mariana Santos de Freitas
Taxação sobre o consumo: especialista explica o que realmente irá mudar com a aprovação do projeto de regulamentação da reforma tributária

A recente aprovação pela Câmara dos Deputados do segundo projeto de lei complementar que regulamenta a reforma tributária no Brasil trouxe consigo promessas de simplificação e justiça fiscal. No entanto, o impacto real sobre a taxação no consumo pode ser menos positivo do que se espera, especialmente para o setor de serviços, que representa uma parcela significativa da economia brasileira.

Atualmente, o setor de serviços contribui com mais de 70% do PIB brasileiro e emprega milhões de brasileiros. O novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) é o principal eixo do texto-base da reforma, que unificará tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS), com o objetivo de simplificar a arrecadação e reduzir a burocracia do sistema tributário. 

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Segundo Renata Bilhim, advogada tributarista e ex-conselheira do CARF, essa unificação pode acarretar em um aumento da carga tributária para o setor de serviços que, hoje com uma alíquota média de 5%, poderá ser elevado para 17,7% com o novo IBS. “Isso pode implicar no repasse desse aumento ao consumidor final, o que contraria uma das premissas básicas da reforma: a redução da carga tributária sobre o consumo”, explica.

Alívio fiscal: realidade ou mito?

Um dos argumentos centrais para a implementação da reforma é a promessa de que haverá uma redução da carga tributária sobre o consumo, o que beneficiaria principalmente as classes mais baixas. No entanto, Renata expressa ceticismo em relação a isso. “A estrutura proposta não resolve a questão da equidade, uma vez que os tributos sobre consumo tendem a ser regressivos, afetando mais fortemente as camadas mais pobres”, aponta.

Além disso, segundo a especialista, a manutenção da alta carga sobre o consumo não considera a capacidade contributiva do indivíduo e a disparidade de renda da população brasileira. “A cada compra no mercado, por exemplo, você paga os mesmos impostos do que pessoas que ganham muito mais e muito menos que você”, salienta Renata.

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Tributação sobre doações e heranças

Outro ponto de destaque é a tributação sobre doações e heranças, especialmente no que se refere aos planos de previdência privada, como Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). O projeto aprovado na Câmara abre espaço para a discussão se esses planos devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o que pode impactar muitos brasileiros.

Alguns estados já entendem que os valores de previdência privada podem ser tributados, considerando-os como direitos creditórios. “Agora, a reforma está buscando uniformizar essa questão, deixando claro se haverá ou não incidência do ITCMD sobre esses recursos, especialmente em estados que ainda não aplicam essa tributação”, explica Renata.

Transparência e simplificação do sistema tributário

Um dos possíveis avanços da reforma é a projeção de maior transparência na arrecadação. A ideia é que o consumidor tenha uma visão mais clara do quanto está pagando em tributos ao adquirir bens e serviços, algo que atualmente é pouco evidente na maioria dos casos. No entanto, Renata Bilhim pondera que, embora a transparência seja um passo positivo, ela por si só não resolve o problema dos impostos elevados sobre o consumo.

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A implementação do IBS poderá, de fato, simplificar a gestão fiscal das empresas ao reduzir a complexidade do sistema, mas isso não se traduz necessariamente em alívio para o bolso do consumidor. “Os encargos fiscais continuarão sendo repassados aos preços finais, o que, em última instância, mantém elevada a carga sobre a população”, ressalta a advogada. 

As próximas etapas e a expectativa do consumidor

Com a aprovação do segundo projeto complementar, o texto agora segue para o Senado, onde novas discussões e possíveis emendas poderão ser apresentadas. Há ainda uma terceira fase da regulamentação, que envolverá a transferência de recursos para o Fundo de Desenvolvimento Regional, essencial para estados e municípios durante a fase de transição.

No entanto, segundo Renata, as incertezas sobre a reforma permanecem. A simplificação do sistema é bem-vinda, mas não garante que os encargos sejam menos onerosos para a população. “Para muitos brasileiros, a expectativa de uma redução sobre o consumo pode não se concretizar, especialmente para aqueles que atuam nesse setor ou utilizam serviços no dia a dia”, explica a especialista.

Enquanto isso, o cenário que se desenha é de continuidade do atual modelo, onde a tributação sobre o consumo permanece elevada, afetando igualmente ricos e pobres. “A reforma tributária, assim, poderá representar mais uma mudança no sistema, mas sem alterar o peso fiscal que recai sobre o consumidor final”, finaliza Renata.

 

Sobre Renata Bilhim 

Renata da Silveira Bilhim é advogada tributarista há mais de 25 anos atuando nas áreas contenciosa e consultiva. Atuando como empresária, é sócia da Bilhim Educação e Consultoria Tributária, sócia da Bilhim Treinamentos, empresária e investidora no ramo da construção civil. Além disso, é ex-conselheira do CARF, palestrante internacional, Doutora em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ e professora convidada nos cursos de MBA da FGV, EMERJ, PUC e IBMEC.

É autora de inúmeros artigos e capítulos de livros, em destaque para os de sua integral autoria, como “Pragmatismo e Justificação da Decisão Judicial” e “Planejamento Tributário no CARF Pós-Zelotes”.

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