Contabilidade Crédito
Recuperação de Crédito: A Integração de Criptomoedas no Sistema Jurídico Brasileiro.
Este tema aborda a intersecção entre as práticas tradicionais de recuperação de crédito e as novas realidades econômicas trazidas pelas criptomoedas
05/09/2024 04h19
Por: Ricardo de Freitas
Recuperação de Crédito: A Integração de Criptomoedas no Sistema Jurídico Brasileiro.

A recuperação de crédito é uma prática fundamental para a gestão de riscos financeiros e a manutenção da saúde econômica. Tradicionalmente, as estratégias de recuperação se concentram na renegociação de dívidas e no uso de garantias físicas. No entanto, com a ascensão das criptomoedas, surgem novos desafios que exigem uma adaptação das abordagens tradicionais. Este artigo explora o impacto das criptomoedas na recuperação de crédito, analisando as dificuldades enfrentadas pelos credores na penhora de ativos digitais e as recentes inovações como o SISBAJUD. Além disso, discute-se a indigência de regulamentação e a importância de uma integração mais eficaz das criptomoedas no sistema jurídico brasileiro para proteger os interesses dos credores e promover a estabilidade econômica.

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Introdução:

Este tema aborda a intersecção entre as práticas tradicionais de recuperação de crédito e as novas realidades econômicas trazidas pelas criptomoedas, fornecendo um campo rico para discussão e análise detalhada.

A Evolução do SISBAJUD e Seu Papel na Recuperação de Criptoativos:

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A recuperação de crédito é uma prática essencial para a administração dos riscos financeiros e a preservação da saúde econômica. Tradicionalmente, as abordagens para a recuperação de crédito incluem a renegociação de dívidas e o uso de garantias físicas. No contexto jurídico, o crédito refere-se a uma transação financeira na qual há um período entre a entrega de um bem ou serviço e o pagamento correspondente. Esse intervalo demanda que o credor confie na capacidade de pagamento do devedor, uma vez que a quitação será realizada em um momento futuro.[1]

É comum que os devedores tentem esconder seu patrimônio antes do início de uma Ação de Execução, Monitória ou de Cobrança. Eles transferem ativos para terceiros, retiram dinheiro das contas bancárias ou adquirem bens que são facilmente ocultáveis.[2]

O artigo 921 do CPC/2015, especificamente no inciso III e §5º, instituiu a prescrição intercorrente quando o executado não possui bens penhoráveis. Essa forma de prescrição, já utilizada pela jurisprudência sob o CPC/73, destaca ainda mais a necessidade de diligência dos credores na busca por ativos, sob pena de perda de seu direito.[3]

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Portanto, é crucial que o advogado do exequente utilize todas as ferramentas disponíveis para identificar o patrimônio do executado.[4]

O risco associado às operações de crédito faz com que o credor procure informações detalhadas sobre o devedor para avaliar sua capacidade de pagamento e, dessa forma, reduzir os riscos envolvidos. O crédito, ao proporcionar uma entrega imediata com o pagamento a ser feito no futuro, não apenas oferece poder de compra aos beneficiários, mas também estimula o desenvolvimento econômico ao atender às necessidades humanas e fortalecer a economia de um país.[5]

Os créditos facilitam o investimento ao disponibilizar os recursos necessários para a aquisição de insumos e a melhoria dos meios de produção. Assim, os investidores utilizam o crédito para obter lucros, que são reinvestidos na economia, formando um ciclo virtuoso crucial para o progresso econômico. Portanto, é fundamental que, em caso de inadimplemento, a recuperação dos valores seja eficaz para prevenir a redução da oferta de crédito e, consequentemente, o bloqueio do desenvolvimento econômico.[6]

As criptomoedas, estão se tornando cada vez mais populares devido ao seu potencial de valorização, anonimato e segurança contra fraudes. Embora o Bitcoin seja a mais famosa, outras criptomoedas, também estão em uso.[7]

Atualmente, os credores enfrentam uma dificuldade considerável no bloqueio de moedas virtuais. Para lidar com essa questão, foi firmado um Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Banco Central e a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN). Esse acordo resultou na criação do SISBAJUD, que faz a busca e bloqueio de ativos digitais e, em breve, terá a capacidade de identificar e bloquear criptomoedas.[8]

Inicialmente, é crucial observar que as criptomoedas surgiram e são geridas inteiramente no ambiente digital, sem qualquer forma física. Esse aspecto evidencia o profundo impacto da digitalização na sociedade contemporânea, impulsionado pela necessidade de maior agilidade nas transações financeiras.[9]

Atualmente, há uma ampla variedade de criptomoedas em circulação, cada uma com suas próprias características. No entanto, todas essas moedas foram desenvolvidas com base em um sistema único.[10]

Outra característica crucial das criptomoedas é que, ao contrário das moedas nacionais, que são emitidas pelos Estados conforme desejado, mesmo que seguindo alguns sistemas de autorregulação, as criptomoedas não são criadas a partir da vontade de alguém. Elas são "descobertas" por meio de um processo conhecido como "mineração".[11]

Tal possibilidade se dá por causa da arquitetura de rede chamada de P2P, ou "peer to peer" ("ponto a ponto"). Redes "ponto a ponto" são redes virtuais que funcionam na Internet com o objetivo de compartilhar recursos entre os participantes, sendo que por princípio não há diferenciação entre os participantes. [12]

Embora as criptomoedas sejam protegidas por chaves privadas, as corretoras ou exchanges são responsáveis pela custódia dos ativos digitais dos investidores e, por isso, permitem a identificação dos titulares e a possibilidade de penhora. Para facilitar a identificação dos investidores, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa 1.888/2019, que exige que as exchanges forneçam informações sobre as transações envolvendo criptomoedas. Apesar da previsão de que o SISBAJUD poderá, no futuro, bloquear valores em criptomoedas, o sistema ainda não possui essa funcionalidade. Portanto, falta uma definição do CNJ sobre como e quando o bloqueio de criptomoedas será realizado online.[13]

Enquanto o SISBAJUD não estiver capacitado para esse tipo de bloqueio, a penhora de criptomoedas pode ser solicitada por meio de ofícios às corretoras. Contudo, para que o juiz possa emitir um ofício, o exequente deve apresentar indícios concretos de que o devedor possui criptoativos e indicar quem é o responsável pela custódia, evitando pedidos genéricos.

A exigência de comprovação da titularidade de criptoativos é justificada, uma vez que pedidos genéricos dificultam a busca. A comprovação pode ser, por exemplo, uma declaração de Imposto de Renda obtida por meio do INFOJUD.[14]

Embora a regulamentação específica pelo Banco Central ou pela CVM não seja obrigatória, as criptomoedas podem ser equiparadas a valores em dinheiro ou títulos mobiliários conforme o art. 835 do CPC/2015.[15]

Apesar de precedentes como o da Terceira Seção do STJ que não reconhecem as criptomoedas como moeda ou valor mobiliário, há decisões do TJSP que consideram as criptomoedas como bens penhoráveis, desde que se prove a titularidade.

Portanto, a ausência de regulamentação não diminui o valor econômico das criptomoedas. Permitir a penhora desses ativos ajudaria a prevenir a inadimplência e a ocultação de patrimônio, oferecendo maior proteção aos credores. Com a implementação plena do SISBAJUD e possíveis futuras regulamentações, a jurisprudência brasileira poderá aceitar o bloqueio de criptoativos de maneira mais abrangente.[16]

A recuperação de crédito desempenha um papel essencial na manutenção da saúde financeira e no desenvolvimento econômico. Tradicionalmente, envolve a renegociação de dívidas e a utilização de garantias físicas. No entanto, a crescente complexidade dos ativos financeiros, como as criptomoedas, exige uma adaptação das estratégias de recuperação.

As criptomoedas, com seu crescimento e popularidade, trazem novos desafios para a recuperação de crédito, principalmente devido à sua natureza digital e ao anonimato associado. A recente criação do SISBAJUD, destinada a substituir o BACENJUD e ampliar a busca e bloqueio de ativos online, representa um avanço significativo nesse contexto. Contudo, ainda há um caminho a percorrer para a plena integração das criptomoedas nesse sistema.

A dificuldade em bloquear criptomoedas evidencia a necessidade de um maior desenvolvimento nas ferramentas e regulamentações pertinentes. Embora a regulamentação específica pelo Banco Central ou pela CVM não seja obrigatória, as criptomoedas podem ser tratadas como bens penhoráveis, conforme o artigo 835 do CPC/2015. Decisões judiciais recentes, apesar de reconhecerem as criptomoedas como ativos penhoráveis, destacam a necessidade de comprovação concreta de titularidade para evitar pedidos genéricos e garantir eficácia na recuperação de crédito.

A adequação das estratégias de recuperação para incluir criptomoedas é crucial para evitar a inadimplência e a ocultação de patrimônio, protegendo assim os interesses dos credores e promovendo a estabilidade econômica. A evolução contínua do SISBAJUD e a eventual regulamentação específica permitirão que o sistema jurídico brasileiro se adapte às novas realidades econômicas, possibilitando um tratamento mais eficiente e abrangente dos criptoativos no processo de recuperação de crédito.

Portanto, enquanto a integração completa das criptomoedas no sistema de recuperação de crédito ainda está em desenvolvimento, é imperativo que os credores e seus advogados permaneçam atentos às ferramentas e às oportunidades emergentes para assegurar a eficácia na recuperação de valores e na proteção da saúde financeira.

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[1] RIZZARD, Arnaldo. Contrato de Crédito Bancário, 10ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999

 

[2] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, volume 3. Rio de Janeiro: Forence, 2022.

[3] ZYLBERSZTAJN, D. e SZTAJN, R. Análise econômica do direito e das organizações. 2005.

[4] ZUFFO, Joao Antonio. A sociedade e a economia no novo milênio: os empregos e as empresas no turbulento alvorecer do século XX. Barueri: Manoele, 2003.

[5] ULRICH, Fernando. Aspectos econômicos dos Bitcoins, São Paulo: Revoar, 2016

[6] CASSEB, Tatiana. A Revolução das Moedas Virtuais, São Paulo: Revoar, 2016

[7] AZI, Renata. A problemática da penhora de criptomoedas. 27 jul. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-27/renata-azi-problematica-penhoracriptomoedas. Acesso em: 02 agosto. 2024.

[8] YAZBECK, Otavio. Regulação do mercado financeiro e de capitais. 2ª edição, Rio de Janeiro: Ellsevier, 2007

[9] CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do processo: de conhecimento; nos tribunais; de execução; da tutela provisória. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

[10] TABAK, Benjamin Miranda. A análise econômica do direito: proposições legislativas e políticas públicas. Revista de informação legislativa,2005.

[11] RIBEIRO, M. C. P. e Herbst, K. H. Direitos Autorais no Blockchain: Escassez como Incentivo para Produção ou Concentração de Riqueza? Economic Analysis of Law Review. EALR, 2020

[12] PINTO, Felipe Chiarello de Souza; RAMOS, Tais; CYRINO, Adriana Coppo. Aspectos Controversos e Vantagens do Bitcoin: Análise da Visão das Instituições Financeiras Brasileiras. Revista Juridica, 2018

[13] MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

[14] MORAES, Alexandre Fernandes de. Bitcoin e Blockchain: a revolução das moedas digitais. São Paulo: Saraiva, 2021.

[15] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

[16] NAKAMOTO, Satoshi. Bitcoin: A peer-to-peer eletronic cash system. 2008.

 

Sobre o autor:

Washington Prates Alves (advogado integrante da equipe de Recuperação de Crédito do Vigna Advogados.

Sobre o escritório:

Fundado em 2003, o VIGNA ADVOGADOS ASSOCIADOS possui sede em São Paulo e está presente em todo o Brasil com filiais em 15 estados. Atualmente, conta com uma banca de mais de 280 advogados, profissionais experientes, inspirados em nobres ideais de justiça. A capacidade de compreender as necessidades de seus clientes se revela em um dos grandes diferenciais da equipe, o que permite desenvolver soluções econômicas, ágeis e criativas, sem perder de vista a responsabilidade e a qualidade nas ações praticadas.