Quando um ex-funcionário de conselho profissional pratica engenhosa fraude para enganar as vítimas, passando-se por outro profissional para obter vantagem ilícita, a figura típica adequada para classificar a conduta é o estelionato, e não a concussão — crime praticado por funcionário público.
Com esse fundamento, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região condenou um ex-funcionário do Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina que, mesmo sem ser advogado, exigia honorários de sucumbência dos associados inadimplentes.
O colegiado, entretanto, reformou decisão de primeiro grau e reclassificou a conduta, de concussão (artigo 316 do Código Penal) para estelionato (artigo 171, parágrafo 3º, do mesmo Código).
O caso envolveu um ex-assistente jurídico do conselho de contabilidade acusado de utilizar o e-mail funcional para contatar associados devedores. Ele informava número de inscrição na OAB que, em verdade, pertencia à procuradora do conselho responsável pela área de cobranças.
Em 11 oportunidades, segundo o Ministério Público Federal, o assistente denunciado pediu aos associados e/ou representantes que depositassem em sua conta bancária valores referentes a honorários advocatícios de sucumbência, para encerrar a execução fiscal. Ele escrevia que o descumprimento levaria à execução da dívida, podendo gerar a penhora de algum bem do devedor.
Crimes diferentes
Em primeiro grau, o réu foi condenado a 3 anos, 11 meses e 15 dias de reclusão, além de multa. A penalidade de prisão foi substituída por restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e pagamento de R$ 10 mil.
O relator da apelação no TRF-4, juiz federal convocado Antonio César Bochenek, redefiniu o fato delituoso. Para ele, os elementos sinalizam que o réu operava em típica atividade-meio, distinta das atribuições privativas de advogado, valendo-se de informações cadastrais a que tinha acesso e da inscrição da OAB de terceiro.
Diferentemente do juízo de origem, Bochenek entendeu que a situação se amolda melhor ao delito de estelionato qualificado, e não ao de concussão. É que a vantagem financeira obtida pelo réu se deu não em função do próprio cargo — mero assistente jurídico, sem poder de negociação —, mas por meio de estratégia que induziu as vítimas em erro, pois o réu se apresentava como advogado.
‘‘No crime de estelionato, a fraude é o propulsor do delito, pois vicia a vontade da vítima que, voluntariamente, repassa valores ao agente. Já na concussão, a vantagem ilícita é obtida pelo abuso de poder, sendo o temor imposto à vítima o instrumento para obter a vantagem financeira indevida’’, disse o relator.
Com novo enquadramento da denúncia, o acusado teve a pena reduzida para 2 anos, 11 meses e 15 dias de reclusão. Na prática, porém, a pena convertida manteve a prestação de serviços comunitários e a prestação pecuniária no valor de R$ 10 mil.
Clique aqui para ler o acórdão.
5016597-84.2013.4.04.7200
Revista Consultor Jurídico
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