Direito

Minha irmã pode ficar com toda a herança sozinha?

SE VOCÊ ESTÁ CHEGANDO POR AQUI AGORA eu preciso te informar uma regra muito importante: “o Direito não socorre os que dormem”, tradução do brocardo latino “dormientibus non sucurrit ius”. Se você é da área, certamente já ouviu essa frase. Em se tratando de questões de INVENTÁRIO, não são poucos os casos onde os interessados acabam deixando para depois para resolver a regularização dos bens deixados pelo defunto. São muitas pautas envolvidas, dentre elas os alegados altos custos, burocracia, papelada, além de certo embaraço para resolver e distribuir tudo que o ente querido deixou. A má notícia disso tudo é que quanto mais o tempo passa pior vai ficando, se tornando ainda mais difícil e CARO para resolver, de fato. A boa notícia é tudo pode ser resolvido rapidamente pela via Extrajudicial (desde que é claro, preenchidos os requisitos da Lei 11.441/2007, como sempre falamos aqui).

Um ponto importante que devemos ter ciência é de que sim, existe a possibilidade de um dos herdeiros recolher SOZINHO toda a herança em detrimento dos demais – e isso num primeiro momento pode soar INJUSTO – todavia, conhecendo melhor as regras de Direito Sucessório, assim como a complexa USUCAPIÃO passamos a entender que de fato a Lei não vai mesmo privilegiar quem dorme no ponto e não exerce seus direitos…

Aberta a sucessão com o falecimento, a herança se transmite como um todo em favor dos herdeiros, mesmo que eles ainda nem mesmo tenham notícia do óbito. É a regra do Direito de Saisine, estampada no art. 1.784 do Código Reale. No estudo do complexo instituto da USUCAPIÃO existe um fenômeno não tão conhecido de muitos colegas que se chama INTERVESÃO DA POSSE. É onde tudo muda. Através da Interversão da Posse o caráter da posse muda e, quando tudo sinalizava que não seria possível a aquisição pela Usucapião, O JOGO VIRA e a aquisição pela propriedade aquisitiva passa a ser possível.

Segundo a abalizada e incontestável doutrina especializada do mestre BENEDITO SILVÉRIO RIBEIRO (Tratado de Usucapião. 2012) a mudança do CARÁTER DA POSSE é reconhecida pela Lei brasileira e, caracterizada, não pode ser afastada:

“(…) Convém ressaltar que o Código Civil, em seu art. 1.203, dispõe: ‘Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida’. O caráter implica a variação do fato, pois sendo a posse de má-fé, não o será de boa-fé, da mesma forma que a direta não perderá essa qualidade. NO ENTANTO, emergindo prova em contrário, patente estará a INTERVERSÃO, ou simplesmente INVERSÃO, a que os romanos denominavam ‘MUTATIO CAUSA DE POSSESSIONIS’, consistindo na MUDANÇA da causa de possuir. (…) A interversão da posse admitida, em CARÁTER DE EXCEÇÃO, através da expressão ‘salvo prova em contrário’, é explicitamente prevista em outros sistemas jurídicos, como exemplo, o francês, o espanhol, o italiano”.

A posse exercida em conjunto com demais herdeiros, em vitude da saisine, como se viu, pode ser modificada a ponto de permitir o recolhimento integral da herança por apenas um dos herdeiros, desde que estejam preenchidos os requisitos da prescrição aquisitiva e a posse então seja exercida com EXCLUSIVIDADE, como já determinou inclusive o Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em didático exemplar voto exarado pela Ministra NANCY ANDRIGHI:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. (…) HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. (…) 2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros. (…) 4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02). 5. A partir dessa transmissão, cria-se um CONDOMÍNIO PRO INDIVISO sobre o ACERVO HEREDITÁRIO, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao CONDOMÍNIO, como mesmo disposto no art. 1.791parágrafo único, do CC/02. 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida POSSE EXCLUSIVA com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, SEM QUALQUER OPOSIÇÃO dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão – o outro herdeiro/condômino -, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a POSSE EXCLUSIVA, ininterrupta e sem oposição do bem (…)”. (STJ – REsp: 1631859/SP. J. em: 22/05/2018)

Original de Julio Martins

Leonardo Grandchamp

Supervisor de Redação do Jornal Contábil e responsável pelo Portal Dia Rural.

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