Até o momento, não há legislação específica que obrigue o trabalhador a se vacinar. Portanto, ainda não é possível afirmar com base em um dispositivo legal específico que a recusa implica em rescisão do contrato de trabalho, ou em instauração de procedimento administrativo.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu Guia Técnico Interno em 28 de janeiro deste ano, orientando o empregador a dispensar por justa causa o empregado que se recusar a tomar a vacina contra a COVID-19 sob o fundamento de a proteção coletiva oferecida pela vacina se sobrepõe aos interesses particulares.
O referido Órgão chama a atenção para os empregadores conscientizarem, bem como negociarem com os seus empregados a fim de que não ocorra desligamentos por esse motivo.
Contudo, há diversas discussões a respeito do tema. Há quem afirme a possibilidade de enquadrar a recusa ao imunizante em violação aos deveres dos trabalhadores, tanto da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), quanto do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado.
Como prevê o artigo 158 da CLT, por exemplo, o empregado deve observar as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como utilizar os equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.
Portanto, se a vacinação contra a COVID-19 for equiparada pela jurisprudência a um EPI (Equipamento de Proteção Individual), a recusa poderia configurar violação ao artigo 158, II e § único, “b” da CLT, com as implicações daí decorrentes.
Já no caso dos servidores estatutários, dependendo da forma como a recusa for apresentada em eventual Processo Administrativo, poderá ser enquadrada, por exemplo, nos incisos II, XII, XIII e XIV do artigo 241 da Lei 10.261/68 (Estatuto).
Os dispositivos apontam que deixar de cumprir ordens superiores, deixar de cooperar e manter espírito de solidariedade com os companheiros de trabalho, deixar de estar em dia com as leis, regulamentos, regimentos, instruções e ordens de serviço que digam respeito às suas funções ou não proceder na vida pública e privada na forma que dignifique a função pública pode receber sanções.
Ressalta-se que a adoção de todas as medidas possíveis e existentes para evitar o contágio e controlar a pandemia de COVID-19 é dever e obrigação de todos.
A recusa em relação ao tratamento de doenças infectocontagiosas pode contaminar outras pessoas, lesar o ambiente de trabalho, a atividade econômica do empregador e levar terceiros à morte, situação que conflita com o previsto no artigo 225 da Constituição Federal.
O dispositivo garante o direito, a todos, a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com qualidade de vida, devendo o poder público e a todos preservá-lo.
Realidade de trabalho
É público e notório que entre os mais afetados pela COVID-19 estão os trabalhadores da saúde. A categoria é submetida a jornadas desgastantes, bem como ao real perigo de contágio.
Assim que a primeira vacina contra o novo coronavírus chegou ao Brasil, os primeiros relatos estavam relacionados a pessoas que receberam o imunizante de maneira desviada. O tema se tornou denúncia investigada pelo Ministério Público Estadual e tomou grande proporção na mídia.
Médicos com mais de 60 anos, mas que atendem por telemedicina, foram vacinados, de maneira isolada. Assim como funcionários administrativos sem contato direto com pacientes.
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Contraditoriamente, profissionais que trabalham em enfermarias de pronto-socorro com foco no tratamento de COVID-19 não foram imunizados de pronto, apesar de terem contato direto com público em geral e possivelmente contaminados pelo novo coronavírus. A situação foi contornada pela luta sindical.
Os trabalhadores da saúde estão sujeitos à contaminação no ambiente laboral – isso engloba os profissionais do laboratório que realizam exames de sangue diariamente de pacientes com COVID-19.
Dessa forma, a realidade enfrentada pelos profissionais da saúde foi e está sendo desafiadora. Milhares trabalhadores do grupo de risco continuaram trabalhando – no máximo, foram remanejados de setor.
A todos os profissionais, e em especial para os que pertencem ao grupo de risco da COVID-19, a vacinação chegou para dar segurança. Ante toda a turbulência e missão em salvar vidas, os trabalhadores precisam e merecem ter as próprias vidas em segurança.
É sabido que os profissionais que foram afastados receberam o imunizante e continuam atuando telemedicina, por exemplo. No entanto, a tendência é que, após tomarem a segunda dose, comecem a retornar ao trabalho presencial.
Prevenção e controle
O atual processo de vacinação não só no estado de São Paulo, mas sim em todo o país, está longe do aceitável para que possa atingir a segurança no ambiente do trabalho. Por mais que os empregadores forneçam EPI’s, o risco de contaminação é elevado, seja no próprio ambiente laboral, seja no trajeto de casa para o trabalho – trabalho para casa.
Vale dizer que não basta o fornecimento dos EPI’s, esses precisam ser de qualidade e quantidade suficiente para as trocas necessárias conforme as orientações do fabricante. Além disso, é necessário treinamento dos profissionais para a paramentação e desparamentação.
Mesmo com a imunização de médicos, enfermeiros e demais trabalhadores da saúde, os profissionais continuam apreensivos.
Os problemas estruturais nos hospitais continuam, além do número baixo de profissionais versus o aumento da demanda e insuficiência de leitos.
Portanto, torna-se impossível o profissional da saúde se sentir totalmente seguro porque tomou a vacina.
Nenhum imunizante é 100% eficaz e o Brasil concentra novas variantes da COVID-19. Tanto é verdade que os estados oscilam de fase a todo momento, justamente porque a situação ainda está grave.
*Dra. Alessandra Cobo é coordenadora da equipe técnica do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.
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