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Receita não pode bloquear sistema para cobrar tributos

Desde o dia 21 de outubro, milhares de empresas optantes pelo sistema de tributação Simples Nacional, ao acessarem o sistema para fazerem a apuração mensal do tributo devido e emitirem a respectiva guia de recolhimento, se viram surpreendidas com a informação de que estavam bloqueadas para tal finalidade.

Segundo consta da notificação disponibilizada no sistema, tal bloqueio teria decorrido de ação feita unilateralmente pela Receita Federal, que, após cruzamento de dados, chegou à conclusão de que alguns contribuintes, de forma a reduzir os valores dos tributos devidos, ao gerar o documento de arrecadação do Simples Nacional (DAS), estariam assinalando de forma indevida e sem amparo legal os campos imunidade, isenção/redução, cesta básica e lançamento de ofício.

Nestes termos, sem a adoção de qualquer procedimento capaz de dar ao contribuinte a chance de tomar conhecimento da irregularidade de que estava sendo acusado de ter cometido e também de dar ao mesmo a oportunidade de trazer ao debate as razões que o levaram a proceder ou não daquela maneira, a Receita Federal condicionou a “liberação” do sistema à retificação compulsória das competências por ela indicadas como irregulares, a criação de um débito e o pagamento do mesmo.

Diante disso, temos evidente que a Receita Federal do Brasil, recorrendo a velhos e já outrora combatidos procedimentos, atuando por meio da política do terror, impede que o contribuinte desenvolva livremente sua atividade econômica e tenta promover arrecadação por via obliquas (“sanção política”), de forma a caracterizar a cobrança indireta de tributos, o que já fora desautorizado por nossos tribunais superiores por meio de julgamentos com repercussão geral e inclusive com edições de súmulas.

Tal prática já há tempos fora declarada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em casos similares, inclusive com edição de súmulas, tais como, por exemplo: (i) Entraves para os contribuintes devedores adquirirem estampilhas e despachar suas mercadorias nas alfândegas (ii) Apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (iii) Interdição de estabelecimento como forma de cobrança de tributo, dentre outros.

Neste passo, imperioso trazer o inteiro teor das sumulas 70, 323 e 547 STF, in verbis:

Súmula 70 – É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Referência: Lei dos Exec. Fiscais, arts. 1º e 6º – Rec. em Mand. Segur. 9.698, de 11-7-62 (D. de Just. de 29-11-62 p. 791). Rec. Extr. 39.933, de 9-1-61.

Súmula 323 – É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Referência: Lei das Exec. Fiscais, arts. 1º e 6º – Rec. Extr. 39.933, de 9-1-61.

Súmula 547 – Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais. Referência: Const. Fed. de 1946, art. 141, § 14. Const. Fed. de 1967, art. 150, § 23. Decs.-leis 5, de 13-11-37, art. 1º (D. Oficial de 22-11-37); 42, de 6-12-37, art. 1º (D. Oficial de 10-12-37), e 3.336 de 10-6-41, art. 2º (D. Oficial de 13-6-41). Const. Fed. de 1969, art. 153, § 23. – Recs. Extr.60.664, de 14-2-68 (Ver. Trim. Jurisp. 45/629), 63.047, de 14-2-68 (D. de Just. de 28-6-68), 63.045, de 11-12-67 (Ver. Trim Jurisp. 44/422); e 64.054, de 5-3-68 (Ver. Trim. Jurisp. 44/776).

Além disso, em sede de repercussão geral no ARE 914.045 RG/MG, de relatoria do ministro Edson Fachin, o STF, reafirmando o entendimento já sedimentado na corte, assim ementou a matéria:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CLÁUSULA DA RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL PLENO DO STF. RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ESTADO. LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL. MEIO DE COBRANÇA INDIRETA DE TRIBUTOS. 1. A jurisprudência pacífica desta Corte, agora reafirmada em sede de repercussão geral, entende que é desnecessária a submissão de demanda judicial à regra da reserva de plenário na hipótese em que a decisão judicial estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal ou em Súmula deste Tribunal, nos termos dos arts. 97 da Constituição Federal, e 481, parágrafo único, do CPC. 2. O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos. 3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso III do §1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais. (ARE 914045 RG, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 15/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-232 DIVULG 18-11-2015 PUBLIC 19-11-2015). Grifo nosso.

Sendo assim, com o viés de assegurar os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, livre iniciativa e exercício profissional, exercício da atividade econômica, dentre outros, fora buscado junto à Justiça Federal do Espírito Santo o remédio necessário para combater referido ato ilícito, de forma que, por meio de Mandados de Segurança com pedidos liminares devidamente deferidas no sentido de obrigar a Receita Federal a desbloquear o sistema par apuração e geração de guia de pagamento dos tributos mensais devidos[1], estão os contribuintes retomando as suas atividades do dia a dia empresarial.

É triste a constatação de que ainda nos dias de hoje os contribuintes, muitos deles pequenos empresários que lutam diariamente para desenvolver suas atividades econômicas com margens quase insignificantes de lucros, se deparem com situações como a aqui narrada, que, de forma clara, demonstra como o Governo Federal encara aqueles que o financia e do que é capaz para saciar sua sede de arrecadação.

É, porém, confortante, saber que ainda temos um judiciário que atue de forma a coibir tais afrontas perpetradas em face dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal e fazer valer os direitos nela previstos.


1 0035124-88.2017.4.02.5001; 0034733-36.2017.4.02.5001; 0035297-15.2017.4.02.5001

 é advogado, sócio do Bonacossa Advocacia e Consultoria.

Revista Consultor Jurídico

Ricardo de Freitas

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Ricardo de Freitas

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