m 1998, o governo unificou, por meio da Lei n. 9.718, os fatos geradores do PIS e da COFINS e ampliou o conceito de faturamento, equiparando-o ao conceito de receita bruta, e este ao conceito de receita total. A primeira equiparação não foi problemática, porque já havia jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) de que “faturamento” e “receita bruta” eram sinônimos e representavam o produto da venda de bens e serviços, tal como definido pela legislação do Imposto de Renda (art. 12 do Decreto-Lei n. 1.598/77). O problema ficou na equiparação à receita total, pois esta contém mais elementos que a receita bruta/o faturamento. Pragmaticamente falando, a receita total inclui a receita bruta, as receitas financeiras e as receitas de vendas de ativos não-circulantes (imobilizado, intangível e investimentos) e, portanto, a nova definição legal não era propriamente uma equiparação, mas um aumento do espectro de incidência do PIS e da COFINS em relação ao que estava originalmente autorizado pelo art. 195 da Constituição Federal.
A tributação da receita total trazida pela Lei n. 9.718 foi julgada inconstitucional pelo STF em novembro de 2005, ficando o PIS a COFINS restritos à venda de bens e serviços (desconsideraremos, por ora, a discussão sobre a identidade deste fato gerador com a receita decorrente da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica – operações mercantis ou, ainda, receita operacional – haja vista a existência de negócios que não se caracterizam propriamente como serviços ou bens, como o caso das cessões e licenciamentos de direito de uso de bens tangíveis e intangíveis). A partir de 2002, com a instituição do regime não-cumulativo para o PIS, e 2003, com a instituição do regime não-cumulativo para a COFINS, algumas pessoas jurídicas passaram a tributar a receita total, haja vista a alteração constitucional feita pela Emenda n. 20.
A migração tumultuada para a receita total tornou o PIS e a COFINS tributos híbridos, que mesclam características de tributação sobre o consumo (que incide sobre venda de bens e serviços, os chamados GST – Goods and Sales Taxes, VAT – Value Added Taxes ou Sales Tax) e de tributação da renda (que incide sobre o acréscimo patrimonial resultante da diferença positiva entre receitas e despesas). Essa diferenciação tem efeitos práticos relevantes no contencioso, como se vê pela discussão do conceito de insumo no regime da não-cumulatividade (em que o CARF tem adotado um posicionamento intermediário entre o conceito de insumo relacionado à ideia de crédito físico – utilizado no IPI e no ICMS – e o conceito de despesa operacional) e no próprio cálculo das contribuições, que tomam por base registros contábeis de receitas e não as notas fiscais de vendas.
Do ponto de vista econômico, o PIS e a COFINS são vistos como tributos sobre o consumo, ou seja, como tributos que incidem sobre a venda de bens e serviços. É fato que essa visão é, à primeira vista, parcial em relação ao regime não-cumulativo, que tributa a receita total. Entretanto, a despeito de ter efeitos práticos relevantes em questões operacionais e discussões administrativas e judiciais, o é fato que essa pode ser mais uma discussão teórica que prática no que diz respeito à classificação dessas contribuições. Isto porque, excluindo-se as receitas financeiras (parcialmente desoneradas com alíquota zero) e as receitas chamadas de não operacionais (vendas de ativos não-circulantes), que não são tributadas em ambos os regimes, sobram mesmo (apenas) as receitas da venda de bens e serviços.
Uma visão estritamente jurídica deste fenômeno permitiria a ponderação de que, muito embora restem apenas as vendas de bens e serviços, o fato é que o PIS e a COFINS não incidem propriamente sobre essas atividades, mas sobre o produto dessas atividades, ou seja, sobre a receita bruta. E a pergunta é: existem diferenças práticas nessa perspectiva? É aqui que entra a contabilidade para propiciar uma visão mais ampla e pragmática deste fenômeno.
De acordo com as normas contábeis, as receitas das vendas de bens e serviços devem ser reconhecidas pelas empresas de acordo com o regime de competência. Simplificadamente, isto quer dizer que as receitas dessas operações devem ser reconhecidas após a realização das vendas e prestações de serviços, quando surge o direito ao recebimento do preço. O cumprimento da obrigação por parte do vendedor e do comprador faz surgir o direito ao recebimento dos montantes acordados, o que é fato suficiente para o reconhecimento da receita. Isso quer dizer que, contabilmente, a receita existe tão logo exista a operação de venda de bens ou prestação de serviços. Sob este ângulo, não existe qualquer diferença entre o PIS e a COFINS e o ISS e o ICMS.
Os argumentos que contrariam esse raciocínio estão relacionados à diferenciação entre o conceito contábil e o conceito jurídico de receita e à necessidade de efetivo recebimento dos valores para concretizar-se a tributação do PIS e da COFINS. Estes pontos, entretanto, foram superados, ainda que superficialmente, pelo Poder Judiciário, que firmou entendimento pacificado no sentido de que as contribuições incidem sobre o registro contábil da receita pelo regime de competência, não importando a inadimplência do cliente.
Desta perspectiva interdisciplinar, a visão econômica (e que tem impactos jurídicos, como a repetição do indébito e a aplicação do regime da não-cumulatividade) de que o PIS e a COFINS são tributos indiretos, que incidem sobre o consumo, é perfeitamente cabível. Aliás, isso também é relevante no contexto atual de discussões sobre reforma tributária, em que a tributação sobre o consumo aparece como grande protagonista, dada sua complexidade e onerosidade.
Vanessa Rahal Canado – Doutora e mestra em direito tributário pela PUC/SP. Professora da FGV DIREITO SP. Coordenadora do GEDEC – Grupo de Estudos em Direito e Contabilidade. Consultora do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal). Advogada em São Paulo. Via Jota
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