Como o próprio termo sugere, imposto é algo que ninguém paga de boa vontade. Atribui-se ao ex-presidente americano Ronald Reagan uma frase comparando a cobrança de tributos à imposição de uma relação servil. “Aproveitar-se do lucro que alguém obtém pelo próprio esforço equivale a submetê-lo a trabalhos forçados”, disse Reagan a respeito do recolhimento de impostos.
Seria de esperar, portanto, que, para evitar uma sobrecarga desnecessária sobre empresas e cidadãos, bons governos arrecadassem apenas o suficiente para prestar serviços essenciais, como segurança pública, saúde e educação.
Estamos longe disso. Um estudo da Fipecafi — fundação de estudos financeiros e de contabilidade ligada à Universidade de São Paulo e responsável pela coleta e pela análise dos dados de MELHORES E MAIORES, de EXAME — expõe com clareza a voracidade do Fisco brasileiro.
Os tributos sugaram 40% de toda a riqueza produzida pelas empresas no país em 2014. É, de longe, a maior fatia do bolo. Sem mover um dedo para produzir, o Estado ficou com uma parcela maior do que a destinada aos trabalhadores — cuja remuneração em conjunto representou 24% da riqueza gerada.
Também levou mais do que os bancos e as instituições que financiam os negócios, a quem coube um quarto do total. Já os acionistas tiveram como retribuição pelo investimento perto de 7% do valor gerado. O estudo analisou 264 grandes empresas de dez setores, como varejo, transporte e siderurgia.
O Estado brasileiro tornou-se uma espécie de sócio majoritário das empresas — e não é de hoje. Mas um ano de ajustes, como está sendo 2015, expõe uma face perversa das mordidas do governo sobre os negócios da iniciativa privada.
Pouco importa se há boas condições para o crescimento, como aconteceu em parte da última década, ou se o cenário é desfavorável, como agora: na história recente do Brasil, o poder público tem procurado novas formas de arrecadar mais sobre as empresas, sejam elas lucrativas ou não — e quase sempre encontra.
Prova disso é que, num ano em que a crise econômica cria obstáculos para a geração das receitas e dos lucros, boa parte das discussões governamentais na área tributária se resume a como elevar as receitas. Há nessa lógica uma clara inversão de um mandamento primordial da boa gestão, segundo o qual não se deve gastar mais do que se tem.
“O governo brasileiro faz justamente o contrário”, diz Márcio Utsch, presidente da fabricante de calçados e artigos esportivos Alpargatas. “Os responsáveis por administrar o Estado preferem arrecadar mais para poder aumentar as despesas.”
O estudo da Fipecafi dá um bom exemplo de como a sanha arrecadatória independe do desempenho das empresas. A pesquisa estabelece um índice que compara quanto as maiores companhias do país pagaram de impostos em relação à riqueza gerada. Das dez primeiras do ranking desse indicador em 2014, sete fecharam no vermelho no ano passado.
A primeira da lista é a operadora Oi, cujo braço de telefonia fixa teve prejuízo em 2014 de 1,6 bilhão de dólares — a empresa calcula ter pagado 50 bilhões de dólares em tributos de 2007 a 2013. A estatal Petrobras, que no ano passado amargou perdas de 4,9 bilhões de dólares, foi a maior contribuinte do país em valores absolutos, recolhendo 24 bilhões de dólares aos cofres públicos.
As coisas tendem a piorar em 2015. Desde 2004, a carga tributária brasileira só não aumentou em 2009 e 2012. De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), em 2015 o Brasil deverá registrar um novo recorde — segundo as projeções, os impostos vão corresponder, neste ano, a quase 37% do PIB.
Isso se deve aos aumentos de tributos determinados pela equipe econômica do governo, que busca resolver boa parte do necessário ajuste das contas públicas elevando a arrecadação.
As receitas do governo deverão crescer 41 bilhões de reais em 2015, de acordo com o IBPT. Nessa conta entram, por exemplo, o fim das desonerações tributárias concedidas a setores específicos nos últimos anos e o aumento, puro e simples, de impostos — como a elevação das alíquotas da Cide, incidente sobre as vendas de combustíveis derivados de petróleo, e de contribuições sociais, como PIS e Cofins.
Os especialistas em contas públicas acreditam que, até o fim do ano, os impostos ainda vão aumentar. “Acho difícil a tributação não subir ainda mais”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central.
“O governo não está diminuindo seus gastos e vai precisar de mais dinheiro para fechar as contas.” O orçamento da União prevê que as despesas públicas deste ano cheguem a 18,9% do PIB — 0,3 ponto percentual acima de 2014.
Quem mais perde com isso são as empresas e os consumidores. Tome-se como exemplo a fabricante de componentes elétricos Steck, de São Paulo. Normalmente, aumentos de tributos são repassados aos clientes — algo difícil de fazer com a economia em baixa e a inflação em alta.
A empresa prevê que as receitas, em termos reais, fechem neste ano 3% menores do que em 2014 — a Steck considera no cálculo uma inflação de 8%. “Diminuímos a produção e demitimos parte do pessoal para nos adaptar à nova realidade”, diz Marcos Okumura, diretor financeiro da Steck. “Se houver novo aumento de impostos, não teremos mais o que cortar.”
A operadora Net, que presta serviços de acesso à internet e à TV por assinatura, também tenta se adaptar a um cenário no qual terá de pagar mais tributos.
Há dois anos, a empresa convive com a possibilidade de ver as alíquotas do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços incidentes sobre telecomunicações aumentar de 10% para 25% sobre o valor dos serviços prestados — o assunto está sendo discutido pelos governos estaduais.
Um estudo feito pela Net indica que a mudança resultaria em perda de clientes e de receita. “Se repassarmos um aumento desses, muitos assinantes vão deixar a formalidade e recorrer à pirataria de sinais de TV a cabo”, diz Roberto Catalão, diretor executivo da Net. “Projetamos um aumento na inadimplência caso as mensalidades precisem ser reajustadas.”
Incentivo ao atraso
A elevada carga tributária torna os investimentos privados menos atraentes. O grupo Mexichem, dono de marcas como a fabricante de tubos plásticos Amanco, investiu desde 2014 cerca de 90 milhões de reais na ampliação de fábricas em Sumaré e em São José dos Campos, ambas no interior paulista.
A empresa calcula que mais de um quinto desse total corresponda a tributos embutidos nos valores pagos pelo material de construção, pelos serviços de engenharia e pelas máquinas adquiridas. “Vamos receber parte dos impostos de volta, mas a devolução se dará ao longo de quatro anos”, diz Mauricio Harger, presidente da Mexichem no Brasil. “Isso desestimula a modernização das empresas.”
É uma pena, mas as discussões que poderiam levar a um sistema tributário mais racional e menos complexo estão fora da agenda do poder público, que só toca no assunto para fazer crescer a fatia dos impostos. No Brasil, ao que parece, os governos continuarão a ser um tipo de sócio majoritário que só se interessa pelo que pode tirar das empresas. (Com Revista Exame)
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