Uma notícia muito comentada logo no começo da semana foi o reconhecimento em lei da visão monocular, a cegueira de um dos olhos, como deficiência sensorial do tipo visual.
A nova classificação é de fato uma mudança em tudo aquilo que tínhamos na legislação em vigor, ou a lei sancionada (14.126/21) seria mais do mesmo?
De início, vamos entender melhor o conceito de visão monocular, que na definição da OMS, Organização Mundial de Saúde “é quando a pessoa tem visão igual ou inferior a 20% em um dos olhos, enquanto no outro mantém visão normal”.
Pode ser uma condição de nascença, ou desenvolvida a partir de uma série de doenças como a toxoplasmose, glaucoma, retinopatias, enfermidades da córnea, tumores e traumas, entre outros.
Agora, vamos voltar a uma lei anterior, a Lei Brasileira de Inclusão, que em 2015 conceituou a pessoa com deficiência. Em seu Artigo 2º, a LBI diz:
“Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Além de não definir se esta ou aquela condição física, mental, intelectual ou sensorial é considerada uma deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão condiciona a definição da deficiência e até o grau dessa deficiência, a maneira com a qual ela interfere na vida do indivíduo.
Adiante, e na mesma lei, fica estabelecido que para se avaliar se há ou não uma deficiência e qual o seu grau, é preciso que a pessoa passe por uma perícia biopsicossocial, uma análise feita por equipe multidisciplinar que deverá verificar os seguintes aspectos:
os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
a limitação no desempenho de atividades; e
a restrição de participação.
Por um lado, a gente percebe que uma pessoa com visão monocular, ao ser avaliada por equipe multidisciplinar, provavelmente seria considerada uma pessoa com deficiência, e por isso teria acesso a todas as ações afirmativas e de igualdade que o poder público faz para este segmento da população.
Mas ao mesmo tempo, não havia a segurança jurídica de que, constatada a visão monocular, a pessoa era considerada uma pessoa com deficiência.
Pode parecer contraditório, mas não é.
O direito tem muitos conceitos subjetivos, amplos, abertos, e que permitem diversas interpretações, a depender do caso em concreto, e das situações em que se apresentam.
É aí que entra a necessidade de elaboração de uma lei clara, com conceitos fechados e objetivos como a lei 14.126/21, que conceituou a visão monocular como uma deficiência sensorial do tipo visual, sem dar qualquer margem de dúvida:
Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.
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As pessoas continuarão sendo avaliadas por perícias biopsicossociais com equipes multidisciplinares para que seja constatada e comprovada a visão monocular.
No entanto, não ficarão sujeitas a interpretações diferentes sobre se a visão monocular é ou não é uma deficiência.
A necessidade do monocular passar pela perícia para só então ser considerada uma pessoa com deficiência veio na sequência da nova Lei, por Decreto (10.654/21) que entrou em vigor também na segunda-feira.
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre a avaliação biopsicossocial da visão monocular para fins de reconhecimento da condição de pessoa com deficiência.
O decreto menciona justamente a avaliação que já existia antes para a pessoa com deficiência, que é a perícia biopsicossocial. Mas já se parte de um ponto: constatada a visão monocular na perícia biopsicossocial, estará configurada a condição de pessoa com deficiência.
E não serão poucas as pessoas com visão monocular que poderão requerer acesso às políticas públicas de afirmação e aos direitos que em decisões anteriores tinham lhes sido negados.
E também não são poucos esses direitos.
As pessoas com deficiência podem contar com Aposentadoria da Pessoa com Deficiência, às vezes confundida com a Aposentadoria por Incapacidade Permanente, mas muito mais vantajosa e que não teve nenhuma perda com a reforma da Previdência.
Também há uma série de outras vantagens que eu vou listar aqui:
benefício da prestação continuada da assistência social (BPC);
reserva de vagas no mercado de trabalho;
reserva de vagas em concursos públicos;
reserva de vagas em estacionamentos;
saque do PIS;
saque do fundo de garantia (FGTS);
livre acesso ao transporte coletivo.
E mais: é possível converter o tempo trabalhado com deficiência em comum, e também fazer o contrário, converter o tempo comum para uma aposentadoria da pessoa com deficiência.
E o que isso significa? Essa conversão é muito parecida com a conversão de tempo especial, aquela para pessoas que trabalham em atividades que colocam a vida ou a saúde em risco.
O tempo trabalhado com deficiência também vale mais: 10 anos trabalhados com deficiência moderada correspondem a mais de 12 anos de tempo que pode ser usado na aposentadoria comum.
Existe até mesmo a possibilidade de revisão de aposentadoria para as pessoas com visão monocular que ao se aposentarem, não tiveram a condição de pessoa com deficiência reconhecida, e que portanto tiveram concedidas aposentadorias menores do que as que deveriam receber.
E há ainda a possibilidade de revisão das aposentadorias de quem já se aposentou como pessoa com deficiência, após a reforma da previdência, mas o INSS fez o cálculo sem descarte das 20% menores contribuições, desrespeitando a regra de cálculo da Lei Complementar 142.
Enfim, percebe-se que a lei que define a visão monocular como uma deficiência é sim uma política de afirmação importante, que vai garantir mais segurança e acesso a direitos concedidos às pessoas com deficiência.
Mas há muito mais a se fazer ainda.
Imagine, por exemplo, que para o acesso aos direitos da pessoa com deficiência é necessário passar por uma perícia biopsicossocial que nem mesmo o INSS, que concede as aposentadorias da pessoa com deficiência, estão preparados para realizar.
Muitas agências do INSS simplesmente não realizam as perícias biopsicossociais. Aplicam as perícias médicas comuns, que podem examinar a pessoa em si, mas não conferem a interação dela com as inúmeras barreiras que encontra. Não avaliam as dificuldades que essas pessoas têm de conseguir participação efetiva, plena e com igualdade de condições, na sociedade.
Ainda que falte muito para se conquistar a real inclusão das pessoas com deficiência, sob todos os aspectos, na sociedade, cada passo que dermos nesse sentido, deve ser comemorado.
Por: Priscila Arraes Reino, advogada especialista em direito previdenciário e direito do trabalho, coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário por MS, primeira secretária da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB/MS, e palestrante. Visite nosso site: arraesecenteno.com.br
Fonte: Campo Grande News
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