O que esperar da nova regulação de BaaS?

Há pouco menos de cinco anos atrás, em novembro de 2019, Angela Strange, da empresa de venture capital Andreessen Horowitz, dizia uma das frases mais famosas — e seguidas — do mercadoas a service: “toda empresa, neste momento, deveria estar pensando em se tornar uma fintech”. 

As palavras de Angela pareciam finalmente acordar um mercado que ainda não enxergava o potencial do modelo de banking as a service e que ainda o encarava como algo instável, até difícil de entender e quase uma “moda”. Coincidentemente, dois meses depois, nascia a Bankly e felizmente, quase três anos depois, os principais unicórnios brasileiros se consolidavamcomo provedores de banking as a service. 

Em vários artigos meus, desde o início desta coluna, tenho falado das vantagens do modelo, como, por exemplo, a aceleração de tipos de negócios, a automação de fluxos de pagamento, a democratização do acesso a serviços financeiros e a maximização de jornadas já existentes, aumentando margens e gerando novas linhas de receita. 

Além disso, o BaaS ajuda a promovero surgimento de novos entrantes no mercado financeiro, alavancando as inovações e soluções para nichos específicos. Essas empresas, que, através de uma instituição prestadora de serviços financeiros, conseguem acelerar o negócio e focar no core business, resolvem problemas de consumidores muitas vezes despercebidos pelos incumbentes. Por fim, os modelos de banking as a serviceajudam a diminuir riscos e custos sistêmicos, já que uma única plataforma pode ser utilizada por uma série de novas fintechs, gerando economia de escala e efeitos de rede. 

Nos últimos anos, assim como em qualquer modelo novo, este mercado atraiu de tudo um pouco: aventureiros, fintechs e até grandes bancos, o que fez com o que o Banco Central se aproximasse ainda mais das suas particularidades e visse a necessidade de criar uma regulação que pudesse acompanhar seu crescimento de forma mais segura e consistente. 

Lá fora, os agentes reguladores têm a mesma preocupação: este ano foi marcado pelo caso da americana Synapse (uma das principais fornecedoras de BaaS), que atuava como intermediária entre fintechs e bancos tradicionais, mas declarou falência em abril de 2024, causando impactos significativos para seus parceiros e clientes. A empresa enfrentou disputas com seus parceiros fintech sobre saldos de clientes e teve problemas com o Evolve Bank & Trust, culminando em um déficit de US$ 85 milhões nos fundos dos clientes. 

Os clientes da Synapse ficaram sem acesso a suas contas, e muitos enfrentaram dificuldades financeiras severas, pois não conseguiram acessar seu dinheiro para pagar contas ou despesas básicas. A situação revelou lacunas regulatórias significativas entre bancos e seus parceiros fintech, destacando a complexidade dos arranjos financeiros que envolvem várias camadas de intermediários. 

Expectativas sobre a regulação de BaaS

A regulação de BaaSfaz parte das prioridades da agenda regulatória do Banco Central para 2024. O cronograma prevê duas etapas: uma audiência pública e, em paralelo, uma possível mudança na Lei nº 12.865/2013, que trata de arranjos de pagamento. 

Acredito que podemos esperar um olhar mais apurado em relação aos parceiros que estão utilizando as empresas de banking as a service e, principalmente, maior controle sobre a qualidade dos serviços prestados aos clientes finais, desde o atendimento até segurança e prevenção a golpes e fraudes. 

Para o primeiro item, o ponto é que, hoje, o Banco Central não consegue enxergar quem está plugado na instituição provedora de serviços, ou seja, a figura do chamado parceiro ou contratante dos serviços. Talvez até existam requerimentos acerca de uma possível homologação, assim como é feito hoje com o modelo de correspondente bancário e o Participante Indireto do Pix. Isso afirma a regra de responsabilidade do Bacen, protegendo os interesses dos consumidores, promovendo a estabilidade econômica e incentivando a inovação responsável. 

É esperado que esses parceiros tenham robustez suficiente para disponibilizar esses serviços sem gerar riscos ao sistema financeiro nacional,bem como mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro, e que cumpram com a LGPD, com normas de sigilo bancário e de segurança cibernética. Para o mercado, este passo seria benéfico, pois tiraria os chamados aventureiros da vez, ou aqueles que usam empresas de banking as a service de controles frágeis para praticar atividades ilícitas. 

O segundo ponto, e que conversa diretamente com o primeiro, é obviamente o admirável foco no usuário, demonstrado pelo Banco Central em toda a sua agenda dos últimos anos. Além da preocupação com a qualidade dos canais de atendimento, ouvidoria e informações educativas proporcionadas ao cliente final, há o interessede evitar fraudes e golpes no setor. 

Muito do crescimento exponencial da adoção do Pix se deve à tecnologia das fintechs. Agora, o desafio é tornar a operação do produto cada vez mais segura, sem frear seu crescimento. É de praxe, no mercado financeiro, que novas fintechs virem alvos de ataques cibernéticos ou de quadrilhas de fraudes, já que se estima que elas tenham processos e controles mais frágeis no início da operação. 

Uma coisa é certa: para provedores de BaaS que estão atuando no mercado de forma séria e de acordo com as normas vigentes, a regulação veio em boa hora, já que deve frear a entrada de novos participantes que não possuem a robustez e expertise necessárias para atuar. A única preocupação é que ela possa encarecer a operação de forma a indisponibilizar o modelo, já que é sabido que essas fintechs não possuem o mesmo ganho de escala e potencial de investimentos que os grandes bancos. 

Apesar de ser possível um pequeno atraso no lançamento da regulação devido à troca de gestão este ano, o Banco Central demonstra, mais uma vez, estar na vanguarda da inovação do mercado. Ele é o primeiro órgão regulador do mundo a criar uma norma específica para este setor, estabelecendo um novo padrão que provavelmente se tornará um benchmarking internacional. 

 

Marilyn Hahn

 

*Marilyn Hahn é CRO e cofundadora do Bankly, plataforma de Banking as a Service com sua própria licença bancária. E-mail bankly@nbpress.com.br  

Sobre o Bankly 

O Bankly é uma plataforma de Banking as a Service com sua própria licença bancária. Seu propósito é descentralizar a oferta de serviços financeiros, permitindo que cada empresa possa virar uma fintech e criar e escalonar suas soluções. Para mais informações, acesse https://www.bankly.com.br/.  

Ricardo

Redação Jornal Contábil

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