Levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) revela que o Brasil registrou mais de 27.390 ações sobre assédio sexual nas Varas do Trabalho entre janeiro de 2015 e junho de 2021.
Só no primeiro semestre deste ano, foram abertos 1.477 processos, um aumento de mais de 21% em comparação ao mesmo período do ano passado.
Os setores do comércio, serviços e indústria lideram a lista de ações e, juntos, somam mais de 14.687 casos.
Embora seja considerado crime desde 2001, esse tipo de violência ainda é relativizado e encarado com certa normalidade no ambiente de trabalho.
O entrevistador forense e advogado especialista em compliance, André Costa, afirma que essa realidade exige a implantação de políticas de prevenção e combate.
“As organizações precisam ter uma estrutura exclusiva para cuidar do compliance corporativo. Para as pequenas e de médio porte que não têm condições de contratar alguém exclusivamente para esse fim, é fundamental ter uma interrelação entre as áreas jurídica, de RH e de operações para que consigam tomar decisões com o mínimo de bom senso”, afirma.
Recentemente, uma vendedora, de 31 anos, foi demitida de uma loja de telefonia após denunciar seu gerente e um colega de trabalho, no canal interno da empresa, por tentativa de estupro.
“Apesar do resultado equivocado e desastroso da denúncia, ela agiu certo. Além de fazer um boletim de ocorrência, a vítima precisa fazer uma denúncia formal, guardar o protocolo, reunir provas, passar a informação de uma maneira estruturada e pelo canal correto da empresa, porque se for demitida pode recorrer à Justiça do Trabalho para exigir que seus direitos sejam respeitados”, orienta.
Segundo Costa, a ação pode ocorrer na esfera trabalhista e criminal.
“A pessoa pode entrar com um processo chamado rescisão indireta, pelo qual consegue receber todos os direitos como se tivesse sido demitida, e ainda seguir com a denúncia na esfera criminal por assédio ou importunação sexual. Quando o agressor for condenado, ela ainda pode entrar com processo civil pedindo indenização monetária pelo transtorno que ele provocou”, afirma.
De acordo com o advogado, as empresas também podem ser acionadas por danos morais porque são co-responsáveis pelos danos que a vítima sofreu.
Prevenção e combate
O especialista, que atua há mais de 10 anos investigando casos de assédio sexual e moral no ambiente corporativo, afirma que as empresas são responsáveis pelo que acontece e precisam ter um departamento exclusivo para garantir a proteção dos funcionários e, por consequência, da sua imagem.
“Grandes corporações precisam de uma equipe exclusiva para analisar as denúncias de forma isenta e correta. O que aconteceu com o caso divulgado recentemente pela imprensa é totalmente ilegal e, além de trazer prejúizos incalculáveis para a vítima, vai arranhar a imagem da empresa”, afirma.
Segundo ele, o exemplo de conduta deve vir primeiro da alta cúpula administrativa.
“Se alta administração não der o exemplo e se a empresa não tiver uma postura exemplar, que é uma demissão por justa causa do agressor e expor que não concorda com isso, a cultura e o clima organizacional acabam contaminados. O maior prejudicado é a companhia que tem o desgaste e prejuízo da imagem porque não tem um compliance forte, que funciona adequadamente”, alerta.
Costa, diz que as empresas devem adotar políticas como a do Programa de Integridade criada em 2016 pela Controladoria Geral da União (CGU) para garantir uma cultura sustentável.
A estrutura desenvolvida pela instituição é pautada por quatro pilares: comprometimento e apoio da alta administração; unidade responsável e instâncias de integridade; gerenciamento dos riscos à integridade; e estratégias de monitoramento contínuo.
“Se a empresa não tiver essas etapas provavelmente a gente ainda vai ver muitos casos de assédio acontecer porque o combate não conta com o apoio da alta administração”, ressalta.
As empresas, diz o especialista em compliance, podem adotar várias medidas para prevenir o crime.
Além de ações educativas, é preciso fazer uma análise de risco do ambiente de trabalho e adotar ações de forma a minimizar a ocorrência deste tipo de crime.
“Um gerente tem esse tipo de comportamento e as pessoas acham que é normal. O caso da vendedora deixa claro que não há uma análise de risco adequada, a sala onde o crime ocorreu não tem um sistema de vigilância, talvez não tenha regras e instrumentos claros, os funcionários não sabem que podem ser demitidos e não têm conhecimento de que isso é gravíssimo”, completa.
Número de processos registrados entre janeiro de 2015 e junho de 2021
- Serviços Urbanos 184
- Administração Pública 221
- Empresas de Processamento de Dados 275
- Agropecuária, Extração Vegetal e Pesca 348
- Seguridade Social 405
- Educação, Cultura e Lazer 650
- Serviços Domésticos 729
- Sistema Financeiro 790
- Comunicações 857
- Transporte 1.027
- Turismo, Hospitalidade e Alimentação 2.088
- Indústria 3.871
- Serviços Diversos 4.853
- Outros: 5.129
(Fonte: TST)
Por: André Costa, entrevistador forense e advogado especialista em assédio moral e sexual.