Para além das sazonalidades do mercado, os juros altos e o custo Brasil não são os únicos fatores que afastam investidores e impossibilitam que o país cresça e se desenvolva.
Ao contrário de outros países, nos quais há parâmetros bem definidos, muitos bons negócios deixam de acontecer por aqui por conta da insegurança jurídica, decorrente de leis omissas ou mal escritas em alguns casos, mas principalmente de interpretações variadas e casuísticas, não raro indo contra o texto expresso da norma.
No Brasil, ser credor exige vitalidade, mesmo quando o devedor é uma empresa de grande porte.
Impenhorabilidade de bens de família, conta-salário e de certos valores da poupança, aplicação do Código de Defesa do Consumidor e limitação legal dos juros, por exemplo, são algumas das medidas que cruzam as fronteiras da proteção à figura do hipossuficiente e entram na esfera corporativa.
Existem ainda todos os meios legais de se postergar execuções judiciais, como recursos e impugnações, além notória morosidade da justiça estatal.
Para se ter uma dimensão do problema que isso traz aos negócios, a cada US$ 1 emprestado no Brasil, só US$ 0,13 são recuperados pelo credor, de acordo com pesquisa da Ibre/FGV, um dos piores indicadores do mundo, e que representa só um terço da média global.
O parco resultado ainda é lento, sendo alcançado em um prazo médio de quatro anos e meio de processo de execução judicial.
Os números ficam bem aquém do que vemos em países avançados como o Reino Unido, onde a taxa de recuperação é de US$ 0,89 para cada US$ 1 emprestado, num processo de execução que dura cerca de um ano e meio em média.
O relatório anual Doing Business do Banco Mundial mostra que o Brasil até apresenta performance positiva em alguns índices que compõem a pontuação da “obtenção de crédito”.
Mas diante da ineficiência dos amparos legais aos credores, ocupa a 104ª posição em facilidade de obtenção de crédito.
Entre os efeitos desta situação estão o alto custo do dinheiro e o spread bancário elevado, além da menor disponibilidade de crédito no sistema como um todo.
A Justiça reconhece que qualquer empresa está sujeita a sofrer dificuldades financeiras temporárias por conta de más decisões de gestão, crises econômicas ou simplesmente má sorte.
Para que suas atividades não sejam inviabilizadas por execuções e cobranças, existe o conceito de recuperação judicial.
O processo permite que empresas insolventes elaborem junto com seus credores um plano para pagamento de suas dívidas sem que seja necessário recorrer à liquidação, ou seja, à falência.
É um mecanismo que permite ao credor recuperar seu investimento, aos profissionais manter seus empregos, e garantir que a atividade empresarial seja preservada.
Apenas 18,2% das empresas que solicitam recuperação judicial, contudo, encerram o processo sem decretar falência, segundo estudo do Observatório da Insolvência da PUC-SP em 2019.
Outras 57,1% não cumprem o plano, mas também não têm seu procedimento encerrado, continuando em observação judicial como “empresas zumbis”.
Uma legislação eficiente de recuperação de empresas, em contrapartida, é capaz de alavancar o uso consciente de empréstimos e desestimular decisões financeiras oportunistas, já que o devedor tem consciência de que o direito do credor é garantido.
Desta maneira, a existência de um caminho efetivo de recuperação judicial é por natureza associada a menores taxas de juros e à ampliação do acesso ao crédito.
A lei de recuperação judicial, um texto de 15 anos, nunca foi tão invocada como agora, momento em que nos encontramos submetidos ao contexto de pandemia.
Com a expectativa de que até 3.500 empresas brasileiras peçam proteção à Justiça contra as cobranças de credores por conta de débitos em atraso – nível 20% maior que o recorde histórico da crise fiscal de 2016 –, o Congresso já vem discutindo uma reforma da lei 11.205/2005, por meio do substitutivo apresentado pelo deputado Hugo Leal.
O PL 6229 prevê ajustes que devem expandir o papel dos credores no sentido de criar, junto com a empresa, um plano efetivo de recuperação judicial.
Hoje, o credor não tem a possibilidade de propor salvaguarda alternativa ao desejado pela empresa em dificuldades, e sua única alternativa ao plano do devedor é levar a empresa à falência.
O propósito da alteração é autorizar o credor a participar e incluí-lo de forma mais efetiva neste processo, conformando a legislação brasileira ao padrão usado por economias desenvolvidas, como os Estados Unidos, por exemplo.
Outro ponto importante que a proposta endereça é a inclusão de dívidas com impostos no processo de recuperação.
Além disso, prevê regras mais claras para o financiamento da empresa em crise (DIP financing), algo fundamental para que as empresas que beijaram a lona tenham chance de se reerguer.
O PL 6229 também estabelece um procedimento acelerado de liquidação e cria, assim, uma alternativa crível no caso das partes não chegarem a um consenso, ou de a empresa não sobreviver apesar do DIP financing.
Este procedimento, desenhado para terminar em 180 dias, possibilita uma liquidação mais rápida dos ativos da companhia em caso de falência, permitindo que sejam devolvidos ao mercado enquanto ainda têm valor e que o produto de sua venda pague rapidamente os credores, respeitada a ordem legal de prioridade.
O movimento reforça um arcabouço jurídico fundamental que busca viabilizar a recuperação das empresas e a aprovação do PL seria um passo essencial para devolver robustez à economia brasileira.
À parte disso, as garantias de devedores dentro dos processos judiciais também precisam ser revistas, uma vez que a baixa taxa de recuperação de crédito está ligada à lentidão e às inesgotáveis oportunidades de postergar execuções.
No fim das contas, quem sai perdendo quando os ressarcimentos devidos não ocorrem é o nosso próprio mercado, e consequentemente nosso próprio país.
Se quisermos ser respeitados como uma economia que merece aportes rumo ao progresso, precisamos antes dar o primeiro passo: aceitar e realizar mudança necessária para defender o respeito a contratos e a previsibilidade jurídica, estrutura primordial para que os negócios possam acontecer de maneira transparente, eficiente e sustentável.
Reformar a Lei 11.101/05 é um importante passo nessa direção.
Por: Guilherme Ferreira, sócio e Managing Partner da Jive Investments.
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