Em uma decisão que coloca em evidência as complexidades da tributação internacional e o alcance da legislação brasileira sobre bens no exterior, a Justiça de São Paulo concedeu uma liminar que isenta as seis filhas e a viúva de Silvio Santos do pagamento de um imposto de R$ 17 milhões. Essa quantia, referente ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), era uma condição para que as herdeiras pudessem acessar a herança de R$ 429,9 milhões deixada pelo famoso apresentador, falecido em 2022.
O caso chama atenção não apenas pelo valor envolvido, mas também pela localização da maior parte dos bens: aproximadamente R$ 428 milhões estão depositados em uma instituição financeira nas Bahamas, um país conhecido por sua legislação favorável à proteção de ativos e sigilo bancário, características que o configuram como um paraíso fiscal.
A defesa da família de Silvio Santos, representada por renomados advogados tributaristas, argumentou que a cobrança do ITCMD seria indevida. Segundo a tese apresentada ao Tribunal de Justiça de São Paulo, os recursos, por estarem em uma conta no exterior, não estariam sujeitos à legislação tributária brasileira. Essa linha de argumentação se baseia no princípio da territorialidade da lei, que define os limites da aplicação das normas jurídicas de um país.
O juiz Luis Manoel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, responsável por analisar o caso, acolheu os argumentos da família Santos. Em sua decisão, proferida em 19 de dezembro e publicada em 8 de janeiro, o magistrado concedeu a liminar que suspende a exigibilidade do imposto. A decisão também impede que os nomes das herdeiras sejam inscritos em cadastros de inadimplentes, como Serasa e CADIN, em razão da dívida em questão, enquanto o mérito da ação não for analisado em definitivo.
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Na decisão, o juiz destaca: “Ante o exposto, defiro a tutela de urgência para que haja a suspensão do montante apurado pelas partes autoras e depositados nos autos até o julgamento final da presente demanda, e para determinar o impedimento de inscrição das autoras nos serviços de proteção ao crédito (CADIN, SERASA e outros) se os motivos para tanto forem os débitos aqui debatidos”.
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, responsável por defender os interesses do Fisco paulista, manifestou preocupação com a decisão. Em nota, o órgão afirmou que a tese utilizada pelos advogados da família Santos contraria as diretrizes da nova reforma tributária, que alterou a matriz constitucional do ITCMD. A reforma, aprovada em 2023, trouxe mudanças significativas na cobrança do imposto, ampliando sua base de incidência e buscando alcançar patrimônios localizados no exterior.
A Procuradoria-Geral do Estado deve recorrer da decisão, buscando reverter a liminar e garantir a cobrança do imposto. O caso, que envolve questões complexas de direito tributário internacional, promete gerar debates acalorados nos tribunais superiores, podendo inclusive chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), a quem caberá a palavra final sobre a constitucionalidade da cobrança do ITCMD sobre heranças localizadas em paraísos fiscais.
É importante destacar que a decisão judicial em questão tem caráter provisório. A liminar concedida pelo juiz apenas suspende a exigibilidade do imposto até que o processo seja julgado em definitivo. Nesse ínterim, a família de Silvio Santos poderá acessar a herança sem a necessidade de realizar o pagamento do ITCMD. No entanto, caso a decisão seja revertida em instâncias superiores, as herdeiras poderão ser obrigadas a pagar o imposto, acrescido de juros e correção monetária.
O caso da herança de Silvio Santos coloca em xeque a efetividade da legislação tributária brasileira em um contexto de globalização financeira, onde a movimentação de capitais e a alocação de recursos em paraísos fiscais se tornaram práticas comuns. A decisão final da Justiça terá impacto não apenas para a família do apresentador, mas também para outros casos semelhantes, influenciando a forma como o Brasil tributa heranças de brasileiros com bens no exterior.