O comportamento é a principal variável para investir de forma vitoriosa. Devo ter escutado ou lido esse conceito dos mais diferentes jeitos que você possa imaginar.
Confesso que achava essa discussão sobre vieses e traços comportamentais uma perda de tempo, afinal de contas, todos os grandes investidores do mundo sempre ressaltaram a importância dessa frente. Deveria ser o ponto de partida para todo mundo, certo?
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Bem, em minhas colunas sempre me esforço para trazer perspectivas do mercado que sejam mais fora do consenso ou que talvez demandem alguma coragem para serem ditas. Quero que você acesse um pouco da informação que tenho o privilégio de receber todos os dias.
Ao longo desses últimos seis anos, desenvolvi amizades muito especiais dentro do mercado financeiro. Acabei me tornando muito próximo, entre outras pessoas, da “turma” que faz gestão de recursos de terceiros no Brasil – o buyside, como chamamos por aqui.
Para você que é familiarizado com a indústria, pense nos principais nomes do País para cada estratégia. Bom, provavelmente tenho algum amigo ou amiga que trabalha por lá.
A intimidade carrega seus defeitos, mas traz muitos benefícios. As trocas são mais francas já que a confiança uns nos outros é maior também.
O trabalho de parte dessa turma, em especial os traders dos fundos e os gestores, é basicamente ganhar dinheiro no mercado, seguindo um respectivo mandato e limites de risco. Partem de um “bolo de recursos” que é uma mistura de dinheiro proprietário (dele mesmo e de seus sócios na gestora) e de seus clientes (como eu e você).
Ou seja, eles lidam com a poupança de várias famílias, incluindo a própria. Sua remuneração, na maior parte do tempo, depende de seus resultados – precisam entregar bons retornos ajustados ao risco em janelas longas para serem bons profissionais de carreira respeitosa.
Não há garantias. O caminho é extremamente complexo, cheio de altos e baixos – momentos bons e ruins de retorno, muitos recebem bônus milionários e outros passam um ano inteiro “zerados” na sua remuneração variável.
Não foi bem em um semestre? Tudo bem, acontece. Porém, teste permanecer dois longos anos entregando resultados abaixo do esperado. Seu emprego e reputação estão em jogo – nada se esconde perante a sua cota.
Essas pessoas operam montanhas de dinheiro, são bilhões de reais sob gestão. Cada oscilação de mercado, por mais leve que seja, vai mover uma quantidade relevante de cifras e, num piscar de olhos, você pode estar perdendo ou ganhando uma quantia para o seu fundo que jamais tinha visto antes na vida.
Você e seu time estudam muito, de formações exemplares, mas sempre estão sujeitos ao imprevisível e ao poder do aleatório. Acertar o tempo dos ciclos é uma tarefa que beira o impossível.
O mercado costuma se comportar de forma irracional. Justamente aí aparecem as oportunidades de ganhar dinheiro, mas também tonam o caminho complexo e dolorido. Muitas vezes, os preços tomam tempo para convergir aos fundamentos.
Tudo piora se você operar ativos operados em pregões com horários malucos. Se você só olha para ações no Brasil ou para o mercado de juros por aqui, ótimo. Quando o pregão fecha você encerra o dia – para quem carrega posições abertas em seu gerencial fora desses dois, as noites de sono pioram muito.
Como eles conseguem vencer no mercado nas janelas longas? A resposta é simples: o comportamento é a chave de um grande investidor.
Aliás, estendo esse comentário até para meus amigos e amigas das gestoras “quantitativas”, que em tese não possuem um humano na frente das tomadas de decisão de investimento, mas sim gestores que olham para as ideias de estratégias nos mercados e que também mudam de humor a depender do resultado do fundo. No fim do dia, todos estão sujeitos as questões comportamentais.
Um caso interessante que expressa bem isso é o de Stanley Druckenmiller durante a chamada “bolha .com” no início dos anos 2000. O investidor americano é conhecido, entre outros feitos, pelo seu trabalho junto a George Soros, sendo responsável pelo Quantum Fund, principal fundo do megainvestidor.
Com um patrimônio largo que passa dos US$ 5,6 bilhões, Druckenmiller se tornou um dos gestores de maior sucesso no mundo. Antes da bolha das empresas de tecnologia estourar em meados dos anos 2000, ele tinha uma posição relevante apostando contra esse segmento.
Ele estava “vendido” contra um dos mercados de maior “hype” da época. Após um bom período assistindo seus resultados derreterem com a euforia dos mercados em relação a essas empresas, seus colegas de equipe mais jovens “rasgando” de ganhar dinheiro comprados nesses papéis, ele decidiu encerrar sua posição e ir para o lado da mesa que estava sendo ganhador até aquele momento.
O problema é que ele fez isso momentos antes da bolha estourar, no ponto mais alto de toda essa história. Perdeu muito apostando contra, perdeu demais apostando a favor, que tragédia.
Ele cedeu à pressão das emoções, os vieses comportamentais tomaram conta de sua mente e ele “parou de fazer contas”. Claro que podemos discutir que a complexidade dessa situação é agravada por ser uma posição vendida, mas isso é assunto para outra coluna, num outro momento.
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O recado que deixo: estudar é fundamental, os mais diversos assuntos para que você não seja unidimensional, como diz meu amigo Marcos Leite, gestor de multi-family office da XP Advisory. Fazer um bom dever de casa, se capacitar, investir em tecnologia e pesquisa, tudo isso não servirá de nada se você não se atentar ao comportamento.
Será que quando o assunto é o seu lado investidor(a), você foge dos vieses e persegue os fundamentos? Vale a reflexão.
Fonte: InfoMoney