No dia 02 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que contempla importantes alterações na legislação tributária relacionadas à segunda fase da Reforma Tributária no Brasil, cujo texto da matéria seguiu para o Senado Federal (PL 2.337B/2021).
O projeto original foi modificado e aprovado na forma de projeto substitutivo do relator deputado Celso Sabino (PSDB-PA), assim, segundo o texto, no tema de distribuição de lucros e dividendos serão tributados à alíquota de 15%, a partir de 1º de janeiro de 2022. Dentre as exceções previstas no projeto, citam-se as principais:
• Lucros pagos ou distribuídos ao titular ou sócio das empresas optantes pelo Simples Nacional;
• Lucros ou dividendos distribuídos a pessoa jurídica domiciliada no Brasil que seja sociedade controladora ou que esteja sob controle societário comum;
• Lucros recebidos por pessoas físicas residentes no país de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido que tenha auferido, no ano-calendário anterior, receita bruta inferior a R$ 4,8 milhões.
É importante destacar que haverá a tributação tanto para os lucros ou dividendos pagos quanto para aqueles creditados, portanto, uma mera provisão de distribuição, mesmo sem a redução imediata de caixa ensejará essa tributação.
Trazendo luz à tributação de lucros e dividendos, foi a partir de 1996, com a introdução dos juros sobre capital próprio (“JSCP”) pela Lei 9249/1995, que os acionistas e sócios passaram a ter possibilidade de serem remunerados com base no limite da variação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre as contas do capital próprio da empresa investida.
Para fins tributários, o JSCP foi criado como uma receita ou despesa financeira, semelhante a um investimento financeiro; entretanto, na prática, ele é um instrumento de natureza híbrida assemelhado a um dividendo, por remunerar o capital próprio investido na atividade produtiva da empresa, e a um juro que remunera capital de terceiros emprestado à empresa, portanto, dedutível como despesa necessária. O JSCP, como um pretenso dividendo dedutível, representa uma opção vantajosa para acionistas e sócios de empresas lucrativas, residentes e não residentes, ao:
• viabilizar aumento de investimentos via capital próprio e remunerá-lo como um investimento no mercado financeiro;
• minimizar a necessidade de alavancagem da empresa por meio da formação de passivo com terceiros (bancos), assim evitando sua subcapitalização, dado que o dividendo não é dedutível do IRPJ e da CSLL no Brasil; e
• permitir a dedução do pagamento reduzindo o lucro tributável. A isso soma-se o fim da dedução de contrapartidas à correção monetária das demonstrações financeiras em um cenário pós-Plano Real com o fim da hiperinflação da moeda.
Isto posto, o projeto de reforma tributária atual levanta dois pontos importantes. O primeiro é a insatisfação no ambiente corporativo dado que, ao se eliminar o JSCP, as empresas deixam de ter um benefício que, historicamente, norteou a discussão tributária sobre subcapitalização e uso de capital próprio no investimento produtivo e ao se introduzir a tributação de dividendos, seus acionistas e sócios passam a ser onerados pela tributação na fonte de uma renda na pessoa física que não é dedutível na pessoa jurídica.
O segundo ponto é a pressão exercida pela OCDE, no âmbito da execução e implementação do plano BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), contra a evasão de divisas, que recomenda aos membros do G-20 e demais países que eliminem de suas legislações internas instrumentos híbridos, como o JSCP, que são ferramentas de planificação tributária e que podem resultar na erosão da base de cálculo do imposto de renda das empresas e o translado de benefícios para países de baixa tributação.
Como era esperado, o projeto aprovado extinguiu o benefício tributário de dedução do JSCP, importante ferramenta de planejamento tributário utilizada pelas empresas. Esta legislação permite a dedutibilidade dos JSCP na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, dentro de certos limites, possibilitando à empresa reduzir o lucro tributável em montante equivalente a 34% da despesa com JSCP. Em contrapartida, a empresa deve reter o percentual de 15% no pagamento ou crédito do JSCP aos beneficiários, sendo considerado como tributação exclusiva na fonte.
Um ponto polêmico a ser destacado é a tributação do “estoque” de lucros acumulados de anos anteriores que já foram devidamente tributados pelo imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido (34%), que pelo projeto, serão tributados novamente na distribuição (15%) se ela for realizada a partir de 2022.
Considerando-se a possibilidade de planejamentos tributários mais abusivos, o projeto trouxe uma seção específica, aperfeiçoando as situações passíveis de enquadramento como distribuição disfarçada de lucros (DDL). Como exemplo, cita-se o empréstimo de recursos da pessoa jurídica para pessoa ligada, quando na data do empréstimo houver lucros acumulados ou reservas de lucros, apurados a partir de janeiro de 2022.
Uma boa novidade é que o aumento de capital social das pessoas jurídicas por meio de incorporação de lucros ou de reservas não ficará sujeito à tributação do imposto de renda. Todavia, há restrições para planejamentos tributários abusivos, como a restituição de capital nos 5 (cinco) anos anteriores e posteriores ao evento. Vale observar que, neste caso, havendo alienação das cotas, no cálculo de ganho de capital, por exemplo, não será possível considerar como custo de aquisição o valor das reservas utilizado para o aumento do capital.
Outro ponto relevante no texto aprovado é a redução da alíquota do imposto de renda de 15% para 8%, não havendo modificação quanto ao adicional do imposto de 10%. Essa redução será possível a partir da instituição do adicional de 1,5% da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Já a contribuição social sobre o lucro líquido poderá ser reduzida de 9% para 8% (regra geral), condicionada à redução de benefícios de alguns setores específicos, como indústria farmacêutica, produtos químicos, dentre outros.
Com base nessas novas alíquotas e considerando uma distribuição de 100% dos lucros existentes, a carga tributária efetiva das empresas aumentará em torno de 3,1%. Caso a empresa distribua, aproximadamente, 72% dos lucros, haverá um cenário de equilíbrio na carga tributária, com base na alíquota atual de 34%. Por outro lado, sendo a distribuição inferior a esse percentual, haverá uma redução pontual da carga tributária.
Com relação ao regime tributário do lucro real, o projeto prevê a extinção do regime de apuração do lucro real anual, que será válido somente até dezembro de 2021.
Dessa forma, a partir de 2022, as empresas submetidas ao lucro real deverão, obrigatoriamente, apurá-lo em base trimestral. O prejuízo fiscal apurado em um trimestre poderá ser integralmente utilizado na compensação do lucro real dos três trimestres seguintes, sem considerar a atual trava existente de compensação de até 30% do lucro líquido ajustado.
Historicamente, esse método de cálculo do lucro real trimestral é pouco utilizado pelas empresas no Brasil, em virtude da limitação existente para a compensação integral de prejuízos em períodos subsequentes. Por outro lado, facilita para os contribuintes, do ponto de vista tributário, realizar quatro cálculos anuais de apuração do IRPJ e CSLL devidos ao invés de apurá-los mensalmente, embora, provavelmente, as empresas devam manter os fechamentos mensais para fins gerenciais. Um aspecto interessante em termos de benefício para a empresa é a possibilidade de liquidação dos débitos trimestrais com a utilização de declarações de compensação (“DCOMP”), possibilidade esta extinta em 2018 para as empresas do lucro real anual (estimativa mensal) por meio da Lei 13.670.
Sendo assim, depois de inúmeras discussões, interpretações e novas versões, seguiu a aprovação do Projeto de Lei 2337B/21 para a Câmara dos Deputados e buscou-se aqui expor brevemente os principais efeitos práticos observados sobre a Reforma Tributária do IRPJ e CSLL. No entanto, tal assunto demanda cautela para quaisquer tomadas de decisões, além da compreensão e acompanhamento do Projeto de Lei, mediante a possibilidade de o texto ser alterado ou até mesmo reprovado.
Henrique Formigoni é professor do Programa de Mestrado e Doutorado Profissional em Controladoria e Finanças Empresariais da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Rodrigo Romanato Leite é discente do Doutorado Profissional em Controladoria e Finanças Empresariais da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio da Consulcamp Auditoria e Assessoria
Márcia Cristiane Rossi é discente do Doutorado em Administração de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Consultora em Governança Tributária
Alexandre de Sousa Almeida é discente do Mestrado Profissional em Controladoria e Finanças Empresariais da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio das consultorias RioNovo e DealTaxLaw.
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